ROTINAS NECESSÁRIAS.
Existe tanto desespero em mim, um quase desejo incontrolável de se rebelar, mas, inexplicavelmente, alguma coisa ainda me impede de determinadas loucuras aquarteladas no cárcere do coração. Invejo as pessoas que me cercam, as que eu convivo diariamente, pessoas com as quais eu converso, outras apenas observo muito atentamente. Tenho a impressão, que essas pessoas, todas elas, vivem tão melhores e tão bem mais realizadas do que eu… Eu sei… Posso sim, como certamente estou enganado nesse meu desvairado pensamento, mesmo porque, existem pessoas em situações muito piores do que a minha, no entanto, no primeiro olhar, não é o que me parece.
A minha vida se tornou numa monotonia interminável, fazendo sempre as mesmas coisas todos os dias, do mesmo jeito, na mesmíssima e odiosa sequência se amontoando dia a dia e boa a hora em um ciclo infinito.
Me levanto às quatro da madrugada, antes mesmo do relógio despertar já estou acordado, coisa de dez minutos antes, os olhos arregalados na escuridão do quarto, virando de um lado para o outro na cama, nada de sono. A minha esposa roncando ao lado, também, depois de dormir tão tarde, de ficar com os olhos passeando na inutilidade da tela de um celular, por fim, consegue achar sono a pulso.
Geralmente ela faz o meu café antes de eu sair para o trabalho, contudo, com a covid-19, e ela doente, pelo menos por enquanto não, minha esposa continua roncando. Eu desligo o despertador do relógio, ainda faltam dez minutos para as quatro, não ouso acorda-lá. Levanto pé por pé, com a sensação de que não descansei nada, de quem acabou de deitar, no entanto, devo me ater ao suplício diário destinado a quem é assalariado e com as contas batendo na porta e saltando pela janela - afinal, tudo pode parar, menos as contas que chegam, essas nunca param.
Há muito tempo não tenho aquele sono reparador e tranquilo. Talvez isso passe, e seja somente uma fase ruim.
Devo ter esperança mesmo contra toda esperança. Vou para o trabalho, não de ônibus, tão pouco de carro, vou caminhando no escuro silêncio da madrugada, entre orações e pensamentos positivos - para variar.
O dia segue o seu curso de sempre sem muita novidade... Trabalho, cansaço, chateações desnecessárias. Dias complexos, a pandemia continua pior do que antes, mortes, hospitais lotados, novas variantes e nenhuma real expectativa de voltar a normalidade.
No final da tarde retorno para casa completamente esgotado. A mesma rotina me perseguindo como sombra, desafia, enlouquece, inspira de certo modo... Não vou me importar com a rotina... Não mais... Afinal, o que seria de mim sem essa dita força motriz invisível, tê-la parece odiável, todavia, não tê-la é simplesmente impensável.
Nada como um dia após o outro, rotina após rotina para alegrar a alma cansada e despertar o coração adormecido. E o caos dessa vida que nos força a patamares melhores sempre nos piores momentos.