Verônica
Ela andava em passos lentos no meio de um mundo que vivia correndo.
É tudo que eu posso falar de Verônica por hora. É verdade que ela tinha um quadril e um par de coxas de parar o trânsito, mas isso não vem ao caso. Esse tipo de pensamento eu deixo para aqueles que, entre garrafas vazias e barulhos de copo a veem cantar no “bar das quengas”.
Não, Verônica nunca foi puta. Mas também nunca foi tão santa assim – por palavras dela própria.
Foi mulher de muitos amores, e os amou de todo o coração enquanto jurava também ser amada.
Sua vida amorosa conseguia ser tão animadora quanto um livro de Dostoiévsky, até com os inúmeros apelidos que seus “personagens” ganharam em cada trama.
Hoje, ela era uma mulher que embora cansada, seguia em frente. Conhecendo gente, e cantando nos bares da vida para levantar um qualquer.
Adorava cantar.
Aquelas duas horas em cima do palco – que mais parecia um tablado – era sua glória. Só faltava cantar de trás pra frente. Parecia um pato na água. Longe de lá, parecia triste, distante e sozinha. Quando saía, lá pelas tantas, ia parando de bar em bar para descontar a frustração da vida que levava.
Tinha um sorriso lindo, é verdade. E uma longa cabeleira avermelhada como o fogo do inferno.
Inferno esse, que queimava seu peito toda vez que começava a se interessar por alguém.
Já tinha passado por poucas e boas por todas as vezes que se permitiu sentir algo. Verônica não era chegada a pequenos casos. Sempre foi de paixões arrebatadoras, aquelas que te fazem mergulhar de cabeça. Seu único problema era não escolher onde se jogar. Amiúde ela ia, como aquelas atrações de circo em que alguém se joga lá do alto pra cair numa piscina; porém o que lhe aguardava no final da queda, na maioria das vezes eram rasos copos d’água. Hoje o amor era apenas uma palavra na letra de suas músicas que escutava no telefone, ou que cantava no trabalho. O amor, virou seu ganha-pão.
Ela jura que não precisa amar ninguém, mas quando ama seus olhos brilham.
Era só falar das músicas que havia cantado na última apresentação, e tudo tomava outro ar. De repente, os bêbados, as putas, o barulho das garrafas e dos copos em comemoração, se perdiam no ar enquanto aquela voz linda ecoava pelo ambiente das mulheres de lingerie. Já a vi cantando certa vez, e embora ela não saiba, coloquei uma nota de cinquenta pro couvert.
Quase sempre nos encontrávamos depois dos nossos trabalhos, e tudo tinha um ar de graça. Embora ácida, tinha seu lado doce. Era mulher, mas tinha seu lado de menina, que quase sempre dava as caras quando tomava algumas doses ou algumas ampolas de cerveja.
Desde pequena, não entendia muito bem como a vida funcionava. Nada seguia um padrão. Jurou para si mesma jamais ser infeliz, e agora beirando os 30, pensava que poderia ter sido um pouco mais.
Acho que é o mal do século para todos aqueles que ainda ousam amar.
Toda a fluidez e o vazio da cidade acabavam com ela, e isso era visível.
Como um velho diário sem ninguém que o leia, ou um blindado esquecido em uma praia qualquer, largado para enferrujar com a maresia.
Hora taxada de puta, ora taxada de heroína – por ser tão forte e tão viciante quanto – se perdia entre os arranha-céus da cidade grande, e se sentia pequena pra tudo aquilo se desdobrando a sua volta.
Mas, quase sempre ela vinha.
Com passos lentos, no meio de um mundo que vivia correndo.