DECISÃO DE MAGISTRADA DO ESTADO DO RIO, CONFLITO APARENTE DE NORMAS.

Celso Felício Panza. Juiz de Direito (aposentado) do TJ/RJ. Revista da EMERJ, ESCOLA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, v. 10, nº 38, 2007 287.

“A dogmática que elaborou, construiu e criticou, antecedentemente à codificação, os direitos elencados e sustentados na cidadania, o fez sob fundamento do valor pensante mais alto do processo legislativo; a crítica. Nessa caminhada acadêmica não seria permitido enxergar a árvore sem ver a densa floresta que se projeta nos direitos de personalidade, enfim, nos sagrados direitos individuais que alicerçam a nação.

A violação desses valores humanos gera punição, que a norma constitucional híbrida. Egressa da formação do processo da natureza, em que evidentemente se insere o homem como seu ser mais perfeito e do sucesso da personalidade humana como produto e criação da história, a livre expressão galgou patamares superiores pela ampliação do domínio do ser humano sobre a natureza, harmonizando também com proveito as relações sociais. Estão posicionados, sem nenhuma digressão histórica maior, que comprometeria o fundamento da monografia, face à exaustão dos limites, os direitos em embate.

A fronteira que divide a razão da pacífica convivência é a ordem pública. Nesse divisor de interesses, outro direito desponta como garantidor e harmonizador de todos os direitos; o de que não "se excluirá da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito", explicitação contida no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. Se direitos constitucionais fossem legados à sociedade, principalmente os individuais, para lançarem-se em testilha, sem condições de compatibilização e convívio, voltaríamos ao tempo da barbárie, em que o livre arbítrio era padrão de conduta. Com o humanismo e a Revolução Francesa, precedida pela americana, por princípios oriundos desses movimentos marcados para toda a posteridade, o Estado se tornou depositário das liberdades, frutos do livre arbítrio, para através do direito positivo, principalmente quanto às regras imanentes ao cidadão, buscar a harmonia social e o bem comum. Qualquer desvio dessa finalidade estaria sujeito ao Judiciário para prevalência e reposição do conhecido e acatado estado de direito. Em razão dessa conquista do homem organizado socialmente, na qual a integralidade do bem comum nunca atingiu razoáveis e expressivas proporções, não seria civilizado nesta quadra da existência do Estado, entendido como nação politicamente organizada, e das corporações, voltar ao demérito e desvario da negação do direito. Assim, para salvaguarda legal dos direitos, principalmente os individuais, o limite da liberdade para sobrevivência deles, sem comprometimentos, se houver conflito, é a ordem pública, que desponta altaneira e intransponível, democraticamente definida pela sociedade através de suas leis de regência, legitimadas na representação popular. Se há ameaça ou violação de direitos garantidos, interfere o poder competente para harmonizar o desequilíbrio instaurado, restabelecendo a higidez da relação ameaçada ou violada. A máxima notória e comezinha de cessar um direito onde começa outro, incide nesse casuísmo com ficta aparência de conflito.

A aspereza da interpretação, na apequenada percepção humana, sempre trôpega para sinalizar os melhores preceitos que trariam harmonia social e felicidade humana, sucumbe diante da vastidão dos próprios e valiosos questionamentos, quer filosófica ou juridicamente, induzindo dificuldades que, por vezes, geram o enfrentamento dos dois valores, repita-se sempre, aparentemente antagônicos.... A semente que se multiplica e germina sob a mesma raiz, do mesmo gênero, não pode em razão da lógica, que estuda e pontua todas as ciências, ser diversa em suas criações. Não é possível, portanto, estabelecerem antinomia, direitos de personalidade, individuais, fundamentais, egressos do mesmo processo dogmáticolegislativo Na equação que adiante se propõe, constata-se com clareza a ilogicidade do aparente confronto.

O objetivo do presente trabalho, deflagrada sua feitura visando ao pensamento acadêmico, tem finalidade específica. Dirige-se a magistrados, vertente maior do conflito interpretativo e ao debate geral. Primeiramente, desnecessário dizer, existir especificidade no propósito, relativamente ao direito de informação originado na mídia - comunicação - com a possibilidade de seu esvaziamento, face ao direito à privacidade, havendo interferência do Judiciário na prestação jurisdicional, quando retira por força de sua função, o direito de todos à informação, por entendê-la lesiva ao direito de privacidade. Estaria o Judiciário exercendo poder de censura defeso na regra constitucional. Este o cerne da polêmica. Aquí o ponto nodal, a essência a demandar estudo, pesquisa, necessária e exaustiva abordagem por todos que cultuam as liberdades democráticas. Sem a definição e conseqüente garantia da ampla e livre prática dos direitos fundamentais - perenes e chancelados de pétreos, porque imodificáveis - de forma a permitir a coexistência deles sem embates ou conflitos em que se neutralizem ou se neguem, resvalando para a inércia da impossibilidade de movimentação, ausentes do virtual estado de defesa que os assegura, de nada valeria o sentido da representação ou a vontade soberana do sufrágio popular, que todos os povos com lágrimas e sofrimentos construíram envoltos em luta. O direito constituído e proclamado como imperativo tem origem na luta por ele, "a luta pela existência é a lei suprema de toda a criação animada; manifesta-se em toda a criatura sob a forma de instinto da conservação. Entretanto para o homem não se trata somente da vida física, mas conjuntamente da existência moral, uma290 Revista da EMERJ, v. 10, nº 38, 2007 das condições da qual é a defesa do direito. No seu direito o homem possui e defende a condição da sua existência moral. Sem o direito, desce ao nível do animal", conforme deixou certo Rudolf Von Ihering.

Nessa caminhada construtiva das nações, no curso da história, o vértice maior é o ser humano, princípio, meio e fim de todos os direitos com sua inexcedível personalidade, nutriz maior e mais nobre dos direitos essenciais, ...... Ainda no século XVIII, definia Kant a personalidade como sendo "a liberdade e a independência diante do mecanismo da natureza inteira, o que eleva o homem acima de si mesmo".2 Pode-se assim, sem esforço pragmático, considerar a personalidade como um microcosmo estratificado por três espécies de fatos ou de fenômenos - biológicos, psíquicos e sociais; a primeira corresponde à evolução filogenética do homem-espécie; a segunda à evolução sociogenética do homem sociedade; a terceira e última à evolução ontogenética do homem-indivíduo, em que ele adquire, em proporção ou concomitantemente com o grau de heterogeneidade do meio social, características singulares de caráter, de emotividade, de imaginação, de inteligência, atingindo a personalidade seu mais alto nível no homem de gênio. Esses predicamentos inerentes à ontogenética, que em variados graus vestem a personalidade de maiores ou menores dotes, interessam exclusivamente ao estatuto pessoal de cada cidadão e só a ele é dado dispor quanto à permissibilidade de acesso ao cofre que encerra sua privacidade, sendo um cidadão comum.

Pode-se dizer que o exercício arbitrário das próprias razões, sem nenhum respeito ao interesse de todos, legislado pelo Estado, seria, aí sim, o exercício da censura de uns aos interesses de todos. Essa ambiência indesejada não interessa a ninguém.....prevalece a lei guardiã tradicional das liberdades. A liberdade tem limites. A resistência à opressão e ao arbítrio da autoridade é a lei. Por ela e com ela quem se expressa deve se conduzir com responsabilidade. Ninguém desconhece, sendo relativamente informado e educado, como próprio em quem exterioriza pensamento ou convicção intelectual, que direito e dever são virtudes especiais de um mesmo simbolismo objetivo nascido da vontade social; elementos objetivos de uma mesma norma de conduta. Se de um lado não se pode pregar qualquer liberdade sem limite, a ponto de neutralizar função estatal que disciplina a sociedade como um todo e interfere quando em desacordo com as leis.....

A força dessa característica que deve compor o perfil de quem presta jurisdição , define-a Del Vecchio, afirmando "que o juiz precisa ser antes de tudo, um jurista, isto é, um homem que deve resumir e viver, por dizê-lo, a unidade do sistema inteiro, compreendido como um organismo vivo e acompanhar, digamo-lo assim, sua seiva, quando sobe das raízes, e, com sua força animadora, se difunde pelos órgãos que o compõem."7 Estamos diante da virtude da expansão lógica, que é própria do sistema, precisamente porque ele tem caráter orgânico. A verdade legal, construída cientificamente, para supressão de vazios legais, é a verdade de justiça, na qual pontifica o magistrado. Ela é incansavelmente perseguida pelos povos e febrilmente procurada de forma a trazer a inefável segurança de que todos se ressentem. Ela transmite como fim teleológico esse valor imensurável, a justiça, filha da legalidade e irmã da prudência. É tema discutido de Platão a Kant, sem muito proveito, não ficando as sociedades, ao menos, devedoras do que se alcançou como normatização positiva do direito imune a dúvidas. Nessa sistematização induvidosa, se inscreve a discussão em consideração, em que fica integralmente às claras, não comportando interrogações acerca de suas verdades, que as normas reguladoras do direito de privacidade do homem comum e do homem público não podem ser as mesmas, pela total diversidade da atuação de ambos no meio social.”

Excertos do artigo encimado ao vestíbulo.

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E o embate se situa em QUAL A REGRA MAIOR? A MAIOR É A CONSTITUCIONAL.

MAS O MOMENTO É DE TOTAL EXCEPCIONALIDADE. IMPÕE COM CRITÉRIO (ESSE O GRANDE IMPASSE), FAZER PREVALECER O ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA, SEM RESVALAR EM DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS. DIFÍCIL NA PRÁTICA..

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 21/04/2021
Reeditado em 21/04/2021
Código do texto: T7237636
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