DE OPERÁRIO A APOSENTADO

Coisas do Destino. Bem eu, nascido em Santo André (1947), quando o Grande ABC atraía milhares de migrantes devido farta oferta de empregos nas indústrias metalúrgicas e de construção civil (anos 50, 60), fui içado do desemprego por um cunhado e pelos trilhos da Ferrovia Santos à Jundiaí cheguei no bairro da Lapa, onde eles moravam, com filhos pequenos. A pequena Galvanoplastia onde fui empregado ficava na Freguesia do Ó. Meu turno começava às 7:00h, indo até 17h, mas frequentemente tínhamos que fazer horas extras (não remuneradas) até 21hs. O vigor da juventude nos permitia enfrentar a longa jornada, bastava um banho, uma boa refeição e poucas horas de sono para nos revigorar plenamente. Na época (tinha uns 16 anos) eu era apartidário, mas gostava muito de ler e interpretava razoavelmente bem a conjuntura nacional. Era um operário letrado, que a tudo observava e não se deixava seduzir pelos cânticos dos sindicalistas. Bem, voltando ao tema, na semana anterior ao "31 de Março de 1964", no trajeto entre a Lapa e a Freguesia do Ó, eu notava intensa movimentação de tropas do Exército, não sabia de qual quartel partiam e para onde iam. No entorno das Estações da Água Branca e Lapa eu observava a presença ostensiva de soldados do Exército, embora nunca tenha presenciado abordagens. Nos meses seguintes pela imprensa eu acompanhava o desenrolar do novo regime militar. Nos fins de semana eu usava os trens da Santos à Jundiaí para ver minha família, a namorada, os amigos. Em 1966 voltei a morar em Santo André e fui trabalhar de Ajudante Geral na fábrica da Motores Perkins, em São Bernardo do Campo. Mas no primeiro “facão” fui dispensado. Em 1967 fui admitido como operário (Operador de Máquinas) na Volkswagen - SBC, ali permanecendo até 1972, quando ingressei na faculdade (Ciências Sociais - Fundação Santo André) e fui demitido, por insondáveis razões (à essa altura eu já tinha evoluído de operário para mensalista, indo exercer as funções de Apontador de Mão de Obra, em um setor do Departamento Pessoal – RH). Enquanto operário me recordo de certos episódios de difícil comprovação, como o desaparecimento repentino de alguns operários, das revistas periódicas nos armários dos operários, de rumores de execuções sumárias, da ação violenta dos órgãos de repressão, da existência da OBAN e de grupos terroristas. Nesse meio tempo fui cooptado por um sindicalista, para escrever editoriais nos jornais clandestinos dos metalúrgicos. Meu forte era História Universal e esse "amigo" induzia o tema, para que eu criasse os textos. Estávamos em 1968. Eu passei a colaborar secretamente (voluntariamente, sem integrar o sindicato), as edições quinzenais eram impressas em mimeógrafos e obviamente eu não assinava os textos, usava o codinome Juca Peão. Em 1969, devido rumores sobre a violenta repressão aos "subversivos", decidi me afastar da editoria do jornalzinho clandestino. Meu "contato" custou a aceitar meu afastamento, chegou até a prometer que o "Partido" poderia bancar as mensalidades de um curso universitário e nomeação posterior em órgãos públicos. Não me convenceu e me afastei definitivamente. Consegui concluir o curso de Ciências Sociais (1972 / 1975) e Estudos Sociais (1976) sem me envolver com partidos políticos. Casei-me em fevereiro de 1974 e no mesmo ano consegui comprar a sonhada "casa própria" pelo BNH. Eu preenchia meus dias com trabalho e escola, não me envolvia em política partidária. Pela imprensa acompanhava tudo, procurava entender o contexto social e a conjuntura econômica e cumpria meus deveres de “cidadão contribuinte” e eleitor ocasional. Eu me obrigava a cumprir rigorosamente meus deveres, mesmo consciente de que jamais poderia exigir que governantes e gestores públicos cumprissem com seus deveres constitucionais, embora fosse meu direito. Sempre procurei “não dar murros em ponta de faca”, ainda assim, nas poucas vezes que confrontei políticos e gestores públicos fui muito mal-recebido, fui tratado como se fosse “inimigo”. Após a aposentadoria (foram 38 anos de contribuição), continuei trabalhando por mais 10 anos. Me incomodava muito a Receita Federal arrecadar mais de 25% do meu salário, o equivalente ao que recebia do INSS. Assim, decidi parar de trabalhar (como assalariado) e recolher Imposto sobre a Renda na Fonte e passei a viver conformado com minha aposentadoria.

(Juares de Marcos Jardim - Santo André - São Paulo-SP)

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Juares de Marcos Jardim
Enviado por Juares de Marcos Jardim em 19/04/2021
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