LIVROS, ALIMENTOS PARA O CÉREBRO
LIVROS, ALIMENTOS PARA O CÉREBRO
Nelson Marzullo Tangerini
“De repente, não mais que de repente”, as trevas caem com mãos pesadas sobre o Brasil como uma tempestade devastadora, destruindo todo um legado multicultural e humano que ainda há pouco, com conhecimentos democráticos, estávamos reconstruindo.
Os livros, alimentos para o cérebro, se tornam obsoletos, enquanto as armas, feitas para tirar vidas, dominam o cenário macabro que se nos apresenta.
O conjunto de crimes contra a humanidade é enterrado como mentira e a História perdeu seu encanto.
A falta de leitura e, consequentemente, de cultura, levou toda uma geração a flertar com o autoritarismo, nomeadamente, com o fascismo e o nazismo.
“O holocausto nunca existiu”, “nunca houve ditadura, o que existiu foi um governo militar”, “na ditadura a vida era melhor e eu podia andar na rua”, “a democracia não dá certo” e, mais recentemente, alguém aparece para dizer que a escravidão também nunca existiu.
Como essas pessoas explicariam torturas orquestradas pelo militar Carlos Alberto Brilhante Ustra e o assassinato monstruoso do jornalista Wladimir Herzog, por exemplo, nas dependências do Doi-Codi, na Rua Tutóia, na Cidade de São Paulo?
Os livros, na estante, pedem à humanidade que sejam folheados e que as pessoas penetrem surdamente no reino de suas palavras. Para que as futuras gerações não cultuem ditaduras, torturadores e o AI 5, por exemplo.
A destruição da Educação tem essa intenção: chamar a história de mentirosa; a filosofia, de refúgio de maconheiros; a ecologia, de encontro de desocupados.
O resultado desta desconstrução que vem sendo feita, e Darcy Ribeiro já a havia denunciado, é esse discurso preconceituoso e etnocêntrico que ouvimos agora, de que herdamos a malandragem dos negros e a preguiça dos índios. E o pior: esse discurso ecoa entre pessoas que se julgam inteligentes, mas que nunca abriram um livro de sociologia ou antropologia para ler.
No Brasil, em pleno século 21, persiste, por exemplo, a ideia de que o índio não é civilizado, quando, à luz da sociologia e da antropologia já sabemos que os índios vivem numa civilização diferente da nossa.
A ficha custou a cair, quando Umberto Ecco afirmou que a internet estava criando uma legião de imbecis. Todas essas pessoas que fazem parte do “gabinete do ódio”, que espalham fakenews contra intelectuais conceituados, artistas, cientistas, professores e ecologistas estão contidas na citação do escritor italiano. Porque essas pessoas vivem da cultura rasteira, imediata, como requer o capitalismo, e sem profundidade. São robôs sem vida própria. São incapazes de levantar uma tese. E se levantarem alguma, é plágio da tese de alguém.
O plano para destruir a educação libertária no Brasil é mesmo um projeto.
Ninguém mais acredita no que está registrado nos livros de História. E é bem provável que todos esses registros, como o do holocausto, acabem em fogueiras de livros – com aquelas da inquisição ou da Alemanha pré-nazista. É possível ouvir, também, pentecostais ensandecidos alegarem que só a Bíblia contém a verdade, que os livros de história mentem.
O absurdo não é o surdo da “Banda”, tocando alto e em bom tom, mas o surdo que não quer ouvir - e ver- a banda passar.
Uma nova história, mentirosa, está sendo escrita. E é lamentável que essa geração de fascistas não queira revisitar a história, rever todos os crimes contra a humanidade. Pois a história quer justamente isto: que a civilização caminhe em direção ao progresso humano e intelectual.
Nunca é tarde para lutarmos contra o retrocesso.