N Ó S

CONFESSO, mais uma vez, que uma das minhas várias frustrações é não ter vocação para a poesia. Para compensar tento fazer letras de música, versos de pé quebrado, um arremedo de poesia. Apenas, repito, a título de compensação.

Adoro ler poesia, mas também ouvir a declamação de poemas. Tenho um amigo que é excelente declamador (sempre tive inveja dele porque sou nulo nessa arte). Ele sempre que me telefona declama um verso de um poema, principalmente "Nós", de J.G. de Araújo Jorge, e lembra do tempo do golpe de 64 quando estávamos com medo da repressão e ficamos escondidos na casa dele num porão, varávamos as noites jugando baralho(pif-paf) e ouvindo a Rádio Olinda,o programa de Lelino Manzella. Esse locutor sempre declamava esse poema, a gente parava o jogo e ficávamos ouvindo fascinados, quase todos roendo por um amor meio complicado. Esse poema marcou a nossa vida. Quando lei-o ou ouço a declamação dele me emociono.Juro. Vou transcrevê-lo:

Nós

"Afinal oque sinto/é o sofrimento atroz/ de muito tarde descobrir que nunca falamos de nós.../ Eu serei eu; -e tu, serás tu,/ eternamente assim/ nem nunca serei como queres que eu seja/ nem serás como eu quero que sejas para mim.../ Muito tarde... Muito tarde.../ depois que assim te quero, e preciso de ti/como os pulmões de ar/ ou os olhos de luz,/ é que vamos descobrir que se ficarmos juntos,/ eu poderei te odiar, tu poderás me odiar!/ - Quem diria afinal, ao que o amor se reduz?!/ Estraguei tua vida e desgraçastes a minha/ e fomos acordar, os dois, tarde demais.../ Agora eu sigo só,/ Tu segues sozinha,/ ou fugindo, - covarde!.../ a este amor que me espinha!/ Tu querendo - medrosa!.../ inutilmente a paz!/ E o que é estranho afinal é que nos amamos,/ e sentimos no entanto que nos separamos,/ cada um com o seu sonho doloroso a sós.../ - conformados na dor cruel nos convencemos/de que nunca na vida, eu e tu seremos nós...".

Adoro este poema. Juro. Inté.