A arte de professorar

Dentre todas as atividades que realizo e pretendo realizar ao longo da minha vida, a docência foi a única não planejada. Não há nessa crônica espaço para narrar a minha entrada nesse meio, mas o que surgiu na minha vida, repentinamente, como apoio à uma colega que precisava de suporte técnico durante as aulas, rapidamente tornou-se um dos grandes amores da minha vida. Essa relação surgiu com a mesma sutileza de um furacão: rápida, potente, destruidora e bela. Se você sentar para conversar com mil professores, de alguma forma, todos irão dizer a mesmíssima coisa: não há espaço para romantizar a sala de aula.

De fato, não há. A sala de aula, pode ser, num primeiro momento, um espaço muito assustador para os recém-professores, foi para mim e acredito que foi para a maioria dos meus colegas. Há o receio de não ser bom o suficiente, de não saber aplicar de forma clara os conhecimentos adquiridos ao longo da formação acadêmica, entre tantos outros medos, mas ao pensar nos tantos medos que circundam a existência de um professor, me lembro de uma das mais famosas citações de Guimarães Rosa sobre a vida: “o que ela quer da gente é coragem”. Com medo e coragem, tornei-me professor no Brasil.

Para a formação prática, não há outra solução: aprende-se a ser professor, sendo professor. Ao longo da graduação, li Vygotsky, Piaget e Paulo Freire, aprendi sobre Freud e sua concepção psicanalítica de id, ego e superego, estudei inúmeros teóricos da educação e do ensino de História, mas garanto que nenhum deles foi útil no dia em que uma querida aluna, durante uma conversa, me disse que não conseguia estudar porque sabia que o pai não gostava dela; não houve base teórica quando um aluno expressou, diante de mim, que havia tentado se suicidar alguns dias antes; também houve pouco amparo quando, há alguns dias, uma aluna, mãe solo, sem renda, sem rede de apoio e em vias de ser despejada, apenas me disse: “eu preciso da sua ajuda. será que você pode me ajudar?”

Eu não posso abraçar o mundo, mas um grande amigo, professor há mais tempo do que eu tenho de vida, certa vez me disse que ele poderia escolher não se envolver com seus alunos, mas que para isso ele teria que se tornar cínico e isso ele não conseguia e nem queria ser. Eu poderia não abraçar o mundo dos meus alunos, mas isso pede de mim um cinismo que eu não tenho, então eu abraço o mundo e as dores de cada um deles.

Dizem que a arte e a dor tem tudo a ver, Elis, nos versos de O bêbado e a equilibrista, diz que a esperança dança na corda bamba de sombrinha, eu mudo esse verso e digo que os professores também dançam nessa corda bamba de sombrinha, mesmo sabendo que em cada passo dessa linha podem se machucar. Ser professor é uma arte, em uma matéria da faculdade, um professor disse à turma que nossa função era gerir a turma e a matéria, mas bastam poucas horas em sala para entender que você tem que gerir muito mais do que a dicotomia aluno-matéria, você tem que saber gerir o seu comportamento diante das realidades complicadas que irão se apresentar através de um grupo de crianças e jovens, que deveria ter a estabilidade necessária para se desenvolver bem. Você vai ter que ouvir sobre injustiças sociais e se recompor para entrar na sala, que é a sua arena de gladiador, e usar a educação como a força motriz para mudar todas àquelas realidades.

É cansativo, eu sei que é. É difícil, eu sei. É mais cansativo ainda quando você compreende que na relação professor-aluno, o desejo do aluno e o seu, não estão bem definidos. O que ele quer de você? O que você quer dele?

Pra quem não sabe o que quer, qualquer coisa é suficiente, então você, enquanto professor, todos os dias vai ter que respirar fundo e pensar: “ele não sabe o que quer, mas o que eu estou dando é suficiente?”. Esse exercício, muitas vezes, será cansativo e doloroso, mas é impossível, no meu ponto de vista, evoluir dentro da sala de aula sem ele.

A arte da educação tem dor, mas ela não é sobre isso, como diz AmarElo: permita que eu fale, não as minhas cicatrizes.

É preciso encontrar o equilíbrio, é preciso enxergar o lado bom, porque ele existe. O encontro com o equilíbrio vem nas mensagens e gestos de carinho, na gratidão, nos abraços - que eu morro de saudade, nos sorrisos, nas trocas, no apoio, nas conquistas, na confiança de compartilhar bons momentos e no desejo comum de alavancar a vida, nas risadas que vem durante as aulas, entre tantos outros momentos importantes.

Mari Bello, minha parceira de trabalho, sempre frisa que temos em nossas mãos os sonhos dos nossos alunos, e eu posso dizer que nada é mais pesado e potente do que um sonho, seja seu ou do outro. Nada se move mais rápido do que um sonho, nada se move mais rápido do que um professor atrás dos sonhos dos alunos. Sob dores, cansaços, alegrias e tristezas, nos movemos. Com razões mais que significativas para desistir, optamos por seguir, até mesmo quando não queremos, seguimos. Para o bem ou para o mal, não existe “ex-professor”, uma vez professor, sempre professor.

Se você me perguntar o porquê, eu não vou saber te responder, mas penso bastante uma frase que li há alguns anos, talvez ela explique o porquê de, não importar o que eu faça, sempre serei, por essência, um aficcionado por educação:

- O que faz um professor?

- No pior dos cenários, ele muda tudo.

Esperando, ao menos, o pior dos cenários, a gente segue nessa corda bamba de sombrinha, porque nós professores e a esperança equilibrista, sabemos que o show de todo artista tem que continuar.

Pedro H Ribeiro
Enviado por Pedro H Ribeiro em 18/04/2021
Código do texto: T7234703
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