A Seita do Bezerro de Ouro *
À noite, depois de um dia de trabalhos forçados, porém remunerados, fui à tal reunião. Não custava nada ver “qualé que é”. Diziam que o trabalho era moleza e os ganhos, absurdos. O local do evento era uma casa simples. Contrariando minhas expectativas, a casa era muito humilde, e os carros, estacionados na frente, populares. Normal, esse modo de vida excêntrico era para não “dar bandeira”. Os “escolhidos”, envolvidos nesse “negócio da China” há tanto tempo, poderiam exibir Ferraris, Lamborguinis, McLarens e Porshes, além de uma cinematográfica mansão. Entrando na residência, o aspecto geral, mais uma vez, foi muito abaixo das expetativas. A cena que presenciei, era claramente de quem, pretensamente, se comportava como queria ser. Entendi isso, porque durante a reunião só se falou em helicópteros, mansões, automóveis de luxo, lanchas...
Aquelas pessoas agiam como se estivessem hipnotizadas. Seus olhos estavam vidrados, como se houvesse cifrões no lugar das pupilas. Tudo era muito estranho, não podia ser possível que só eu me sentisse estranho ali. Entretanto, não demorou para minha aeronave despencar, minha embarcação naufragar, o motor do meu automóvel pifar e minha mansão cair.
Analisando o discurso persuasivo do palestrante (uma mescla de guru espiritual com coach da área de vendas), o comportamento sectário dos presentes e aquela amplitude entre realidade e fantasia, conclui a fria que eu estava entrando: Esquema de Ponzi (Pirâmide). Nesse caso, a “vítima” vende os produtos de uma marca; a progressão geométrica faz com que o planeta Terra tenha que ser cliente da marca. Ou seja, é desastre garantido, a não ser que você seja o Bill Gates.
Usando tênis, camiseta pra fora e jaqueta jeans surrada, notei que eu destoava daquele ambiente supostamente requintado. Eu tinha diversos motivos para me afastar daquela armadilha disfarçada de sociedade secreta, mas, impaciente, esperei o final daquela farsa. O que eu mais queria era me afastar daquela seita de fanáticos, antes que sacrificassem um cordeiro ou cometessem um suicídio coletivo, e voltar pro meu mundo: simples, mas divertido e real. Consegui escapar com vida, sem beber um cálice com sangue, a carteira intacta e livre da lavagem cerebral.
Parecendo um encontro de mafiosos, tempos depois, à noite (sempre) recebi a visita de dois conhecidos que estavam na reunião. Entramos num carro escuro, onde me perguntam o que achei da palestra e qual seria minha resposta. Sabia que iria decepcioná-los, já que tinham expressões de certeza da anuência, por julgarem se tratar de uma proposta de trabalho irrecusável, uma “galinha dos ovos de ouro”. A resposta à segunda pergunta, eu já tinha ensaiado: não.
Dentro da minha geração, não participei de nenhuma modalidade de Pirâmide. Essa praga sempre ressurge, caçando gananciosos e incautos. Quanto à Seita do Bezerro de Ouro, eles devem estar adorando um outro falso ídolo, porque, até onde sei, ninguém ali comprou um helicóptero.