AD USUM DELPHINI
Prof. Antônio de Oliveira
Para uso do Delfim. Delfim pode designar golfinho. Não é o caso.
Delfim, aqui, denomina o primogênito (Dauphin) do rei da França.
Usava-se essa expressão, em latim, nas edições dos clássicos latinos, organizadas para leitura do Delfim de França, filho de Luís XIV, o Grande ou Rei Sol. A coleção consta de 84 volumes, editados de 1670 a 1698, expurgada de tudo que fosse considerado impróprio para a educação do jovem príncipe.
Entre os censores inclui-se Jacques-Bénigne Bossuet, bispo francês. Defendia a origem divina do poder dos reis. Luís XIV foi o monarca que mais se valeu das ideias de Bossuet.
Emprega-se ironicamente essa fórmula a propósito de publicações também expurgadas, censuradas, ou cujo texto sofreu deturpações com determinado objetivo.
Séculos depois, Yuval Noah Harari publica Sapiens, que já ultrapassou 50 edições. Apesar de conter alentadas 459 páginas, o subtítulo é: Uma breve história da humanidade (“A brief history of humankind”). O conteúdo é abrangente. Linguagem fundamentada e sem rodeios. Adepto da teoria evolutiva. Um demolidor de crenças, embora reconheça o papel que exercem as crenças e mitos aliados ao poder político. O livro é contundente, impactante.
Talvez a posição crítico-interpretativa do autor choque leitores não acostumados a ler tudo que lhe cai nas mãos. Não acostumados também a retificar ou ratificar as próprias ideias e convicções naquilo que transcende o campo científico, por sinal avassalador em suas pesquisas. Contudo, relativamente titubeante (ou prudente?) em face de uma pandemia covid-19, em que pese às implicações políticas e administrativas.
Certamente Harari não seria “para uso do Delfim”. Para muitos tem restado o recurso à fé, sem dispensar, é claro, o que a ciência e a saúde pública têm a oferecer. É a fé! E, como dizia Nelson Rodrigues, sem fé não se chupa nem um chica-bom.