Sobre a Desqualificação de Sentimentos

Esses dias me senti frustrada por descobri que eu faço parte da geração Millenials. Passado o primeiro choque, percebi que eu posso ser a mudança também, porque é essa geração que cresceu com pais controladores e extremamente autoritários, os filhos dos Baby Boomers.

Criados rigidamente, para respeitar os pais e consequentemente, nós, os Millenials (pelo menos eu) cresci ouvindo coisas do tipo “engole o choro”; “para de ser besta”; “só se levanta dessa mesa depois de comer até o último grão de arroz”; “fecha as pernas”; “isso não é coisa de menina”; “você já é uma mocinha”.

Se eu continuar a enumerar aqui, as frases problemáticas que eu escutei na minha infância e parte da minha adolescência, não seria uma crônica, mas um compilado de frases que servem de gatilho para muita gente.

A questão, é que esse tipo de frase é extremamente tóxico!

Muitas delas, permeiam por várias vezes, os temas de discussão com a minha terapeuta. Em uma das sessões, descobri que as minhas maiores angústias existem porque as pessoas do meu convívio nunca souberam validar os meus sentimentos, e seguindo automaticamente o que me foi ensinado na infância, eu simplesmente me finjo de forte, escondo o que eu sinto, (ou ainda pior) assumo uma postura passivo agressiva, sendo taxada de antissocial e briguenta. A verdade, é que não aprendi a me comunicar de forma adequada.

Essa atitude é certa? Não. Mas foi o que aprendi com o que me ensinaram. E acredite, depois de uma crise de choro em público porque não consegui expor minha frustração para uma chefe minha, eu decidi pedir ajuda. Comecei a fazer terapia e foi a melhor decisão da minha vida. Como todo processo de cura, as vezes é preciso piorar para melhorar.

A terapia começou a funcionar, e em pouco tempo, entrei em um relacionamento com uma pessoa. Nesse relacionamento, percebi que eu precisava me comunicar, se eu quisesse que levar as coisas adiante. Graças à paciência dele, e meu afeto (que era muito), eu comecei a explorar novos caminhos e comecei a me comunicar muito melhor em diversas áreas!

Mas... nem tudo são flores.

Para a comunicação funcionar, é necessário duas partes dispostas a falar e ouvir, entender e se colocar no lugar, não precisa aceitar, mas no mínimo, ouvir. E adivinha o que eu achei? Só eu gritando novamente, agindo novamente de maneira passivo agressiva, e nas raras vezes e que um diálogo foi estabelecido, fizeram eu acreditar que tudo o que eu vivi na minha infância e adolescência, era uma mentira.

Quando por acaso, eu conseguia trazer algum assunto da terapia para a mesa de jantar, eu era taxada de adolescente difícil, ou aconselhada a “apagar as coisas do passado”. Em uma ocasião, eu lembrei de como consegui um short importado no sorteio da empresa que trabalhei, uma pessoa veio me dizer que não foi assim, que foi uma doação de uma pessoa.

Mas a ocasião que mais me marcou, foi o dia em que eu contei no almoço que “antigamente” na Igreja que eles frequentavam, era proibido televisão e que a nossa televisão preta e branca ficava dentro de uma caixa, e só era tirada nas ocasiões que o meu pai queria ver um jogo de futebol específico, e todos nós nos sentávamos na cama, como se aquilo fosse um megaevento.

A primeira coisa que eu ouvi da minha mãe foi: “Eu não sei de onde você tira essas coisas. Fica inventando coisa que nunca aconteceu.” Ela, sutilmente, me chamou de mentirosa. Contadora de histórias. Isso ela falou no meio da minha narração, enquanto tentava me interromper, eu levantei um pouco a voz e continuei narrando o acontecido, como se fosse a história de outra pessoa. Ao final, percebi que meu pai estava escutando, e pedi para ele confirmar se eu estava mentindo. Eu sabia que ele não teria coragem de mentir. A integridade do meu pai é a coisa que mais me orgulho nele, ele se esforça todo dia para ser melhor, ser um exemplo.

Ele ficou do meu lado, e confirmou a minha história. Eu apenas me levantei da mesa e fui para o meu quarto, anotar esse episodio e desabafar com a única pessoa que em três anos, nunca invalidou um sentimento meu, por pior que seja. Por causa do meu parceiro, eu sou uma pessoa chorona, que não sabe mais esconder os sentimentos. Ainda estou aprendendo as formas corretas de expressar, e escrever é uma delas.

Você pensa que esse tipo de comportamento por parte da minha família mudou, depois desse episódio? Não.

Agora, (talvez de modo inconsciente, por ciúmes) minha mãe sempre tenta me queimar com o meu parceiro. Ela sempre me pinta do pior jeito, como a “braba”, briguenta, estressada, insuportável. A última dela, foi me chamar de chorona. Ela não sabe lidar com meu choro. Ela nem sabe por que eu choro, porque a primeira reação dela é sempre “engole o choro”, “vai orar”, “vai aceitar Jesus”, “isso é gente de mente fraca”.

Depois de passar por tudo isso, com muitas cicatrizes e vários traumas que podem aparecer a qualquer momento, passei a olhar as crianças com outros olhos. Passei a ver, de fato, as pessoas. O mais difícil até aqui, tem sido tentar não revidar as maldades na mesma moeda e reduzir o meu comportamento passivo agressivo.

Não está nem um pouco fácil no atual cenário político/econômico/sanitário que estamos vivendo, mas se eu tiver a sorte de ter uma criança como filha/o um dia, eu quero quebrar esse círculo que invalida os sentimentos. Enquanto, isso vamos sobrevivendo mais um dia e dando um passo de cada vez.