Ele
Foi eu acabar de me sentar à frente do teclado e lá vem ele, se insinuando, invadindo o espaço na minha mente que deveria estar unicamente preenchido pela inspiração e o desejo de escrever sobre o tema que escolhi há pouco.
O écran do computador ainda só mostra a tela principal. Nada que justifique o meu desvio só porque ele veio de repente em mente. Não há sequer uma imagem que justifique a sua entrada. Mas aqui está ele, já pululando meu cérebro, inebriante, me impelindo a interromper o que ia escrever antes mesmo de começar o texto.
Eu me deixo levar por ele e me levanto da cadeira.
O cérebro está sempre buscando sementes, é fato. E ele é uma típica semente. É uma daquelas que, uma vez plantada em terreno fértil, açambarca o tempo, as preciosas horas do dia, toma-as todas, e vira rotina. E faz isso de forma tão natural que parece totalmente inofensivo. Parece que só está cumprindo algo inerente ao ser humano, mais nada.
Não que ele seja de todo nocivo. Afinal, também tem seu lado positivo. Ele nos impulsiona bastante. Faz alavancar ideias, energiza, instiga a mente e o corpo, ajuda na esfera mental, social, nos faz produzir mais. É o lado benéfico dele.
Sem ele a história não se potencializaria, pois grandes riquezas, descobertas, novos mundos e atividades surgiram por conta de seus efeitos, mesmo que muitas vezes tenha se introduzido de forma errada quando associado à maldade nos fazendo escravos.
E eu, visto que já tinha a mente desfocada, me permito agora desfrutar e apreciar sua presença apropriada, depois, neurônios acelerados, me reanimo e revejo a hipótese de voltar ao computador.
Mas, a cabeça à mil por hora, começo a teclar e eis que nova interrupção aparece! E é aí que mora o perigo. Há que saber dosá-lo, caso contrário, ele se apresenta mais do que o necessário e, inevitavelmente, acaba causando estragos.
O conselho então é moderar. Deixá-lo vir à mente, sim, mas com limites, com parcimônia. Vez por outra se deve afastá-lo gentilmente. Não deixar que domine os sentidos, como vício. Mas se, mesmo assim, não conseguir evitar, tente fazer como eu faço, use os mais suaves, menos densos. Para mim resulta. Não quero que ele chegue ao limite de me estressar, de me causar uma gastura no estômago, até quem sabe, uma úlcera.
É, eu sei, não é uma tarefa muito fácil. Afinal, acordamos com ele na cabeça, passamos o dia com ele sugerindo o cérebro, nos interrompendo o tempo todo. E, depois, quando vem a noite, na hora de dormir, como eliminar seus efeitos? Por isso os especialistas dizem para evitá-lo após uma certa hora. É aconselhável meditar nisso, caso contrário, inevitavelmente daremos de cara com a temível insônia.
Imagine que, agora, não satisfeito, percebo que, invadiu e se apropriou de meus dedos e se infiltrou, fervilhante e por escrito no meu texto.
É o que digo, quem vê tamanho não vê grandeza,
E ainda está quente,
este intrometido, mas delicioso,
Café.