Serviço essencial
João gostava de bar. Frequentava o do Almeida religiosamente. O lugar era o seu templo, era onde encontrava Jesus, a quem a uma certa altura ele confundia com Genésio. Era onde sua alma se elevava – ou se lavava, sabe-se lá – embora o corpo padecesse com as porções e a cerveja.
Um amigo havia convidado João a sair dessa vida e conhecer sua igreja. Mas o que haveria de tão especial num lugar que não haveria no outro? Gente amontoada, lugar apertado, má circulação de ar? Havia nos dois. Dança e cantoria? Em ambos. Gritaria, êxtase, ficar fora de si? Tinha nos dois. Largar um dinheiro que pode fazer falta, para o dono do lugar? Marcaria um xis nas duas opções se fosse um teste.
Veio a pandemia e os bares fecharam. João ficou desolado no começo. Para não perder o hábito resolveu orar, que dizer, beber em casa. Comprava cerveja no mercado e fazia umas porções em casa que, se não fossem tão saborosas quanto as do boteco, quebravam o galho. De vez em quando pedia alguma coisa por delivery, até para dar uma força para o Almeida.
Com o tempo, começou a se sentir diferente. Bebia menos. Começou a comer umas coisas menos gordurosas. Ficou cismado com a barriga, o coração, o ácido úrico. Começou a se questionar, e não só isso: começou a questionar o bar. Que o Almeida precisava dele, estava na cara. Mas será que ele precisava mesmo do Almeida?
Encontrou o amigo da igreja por acaso, quando foi ao mercado. O amigo falava sobre o absurdo que era o prefeito impedir a realização de cultos. Que igreja era serviço essencial, que o Supremo iria resolver essa questão.
João ficou pensando porque essa preocupação toda do seu amigo. Se Deus está em todos os lugares, não basta orar em casa? Foi quando pensou no Almeida, no bar, no clima do lugar, nos brindes, nas saideiras, na conta que o garçom levava na mesa e concluiu que a alegria do lugar faz a diferença. Afinal, estando feliz no momento, quem não bota a mão no bolso?