O canivete
Quando eu era criança, lá pelos anos 1960, bastavam poucas coisas para nos deixar felizes. No meu caso, um chapéu, presente do meu avô; livros, que minha mãe sempre comprava para nós; um embornal, feito especialmente por uma tia para eu guardar minha tralha; e um canivete, que ganhei do meu pai. Este último item veio com insistentes recomendações sobre modos de usar. A principal advertência era nunca ameaçar ninguém — afinal, ele dizia: “brincadeira de mão, brincadeira de vilão!” Logo arranjei uma bainha e um cinto velho de couro. Sentia-me o menino mais elegante do bairro.
O canivete era de uma marca famosa à época. Tinha uma corneta desenhada na lâmina, cabo de madeira, detalhes em cobre e ponta fina. Era bom de afiar, descascar laranja, cortar tiras de couro e apontar lápis. Só não podia levá-lo à escola. Vez ou outra, algum colega levava um, era repreendido com rigor, recebia castigo, os pais eram chamados, um escarcéu!
Nos finais de semana, quando íamos à fazenda do meu avô, era o primeiro objeto a ser lembrado, o primeiro a ir para a mochila, item indispensável. Depois, os livros, o baralho, a sunga de banho, a lanterna de pilhas… Anos depois, o item imprescindível passou a ser minha caneta; hoje, nem sei mais o que dizer sobre itens indispensáveis, necessários, obrigatórios…
Um dia, comprei um canivete para cada filho — tenho três filhos. Que decepção! Desdenharam. Faltou me dizerem: “pra que serve isso, pai?” Passei a tarde triste, melancólico, lamentando certas transformações que nos passam despercebidas ao longo da vida. Acabaram aceitando o presente, mas raramente usam. Às vezes, caio na besteira de perguntar: “cadê o canivete?” Precisa ver a cara de espanto deles. Se eu tivesse dado um celular de último modelo pra cada um seria enaltecido como “o pai do ano” nas redes sociais, mas um canivete…
Nunca abri mão de ter um bom canivete comigo. É claro que não ando com um no bolso pra baixo e pra cima, nem é recomendável. Mas sempre penso na hora em que há de bater a fome e não terei o canivete para descascar uma laranja. Ou então, no momento crucial em que for preciso cortar um barbante, abrir um envelope, tirar um espinho da mão, fazer um furo, extrair um bicho-de-pé, entre outras emergências — imagina constatar a ausência da simpática ferramenta? Ferramenta ou utensílio? Artigo de cutelaria? Só não caia na besteira de chamar um canivete de minifaca! Ah, canivetes não são armas nem devem ser usados para demonstração de machismo e valentia besta. De acordo?
Felicidade grande foi quando comprei um canivete suíço de mil e uma utilidades; pena que ele sempre fica guardado na gaveta! Não sou saudosista, mas confesso que seria preferível carregar um canivete multifunção no bolso do que um celular. Jamais conseguiria descascar uma laranja com um celular!