Uma crônica de aniversário
Meu irmão me enviou uma mensagem de parabéns e escreveu que estaria aguardando uma crônica de aniversário na quarentena.
Tarefa meio complicada. A crônica não precisa necessariamente ter humor, mas é bom que tenha. Mas ter humor nos dias de hoje não é coisa simples. Vivemos tempos bicudos. Talvez um conto à moda de Edgar Alan Poe ou um poema do tipo Augusto dos Anjos fossem mais apropriados.
A crônica é um gênero textual curto escrito em prosa e de “vida curta”. É o sexo casual da prosa: pode ser marcante, mas é só para aquele momento. É o que eu desejava no aniversário do ano passado sobre a pandemia: que fosse um texto ruim de curta duração. Porém o brasileiro está se esforçando para transformá-la num Anna Karenina de Tolstói.
A pandemia pode ser vista também não como um romance longo e dramático, mas como um spin off de sucesso da série Um Maluco no Planalto. Quem pensou que isso lembra Um Maluco No Pedaço está certo. Mas não se deve confundir as duas séries. Esta é formada por um elenco de atores talentosos; aquela, por um bando de canastrões (eu disse canastrões, não canalhas; embora sejam os dois). A série americana é engraçada e inteligente. A brasileira, triste e estúpida.
A série brasileira que fala sobre um maluco que chega para bagunçar a vida de todos foi pensada para ter quatro temporadas, pelo menos. Tem gente que quer oito temporadas ou até mais, Deus me livre! Por mim essa série não teria ido ao ar e deveria ser cancelada imediatamente.
Tomara que seja. Vou desejar isso quando soprar as velinhas.
Pandemia não deveria ser um spin off, mas uma série à parte. Mas graças ao talento do elenco da outra, as duas se misturaram. Mas os roteiristas tomaram muito chá de cloroquina e ficaram doidões. A série original é uma comédia pastelão com algum drama mexicano. A derivada, um drama difícil de engolir misturado com uma espécie de The Walking Dead de baixo orçamento.
Mas isso deveria ser uma crônica de aniversário, não? Deveria ter bolo, docinhos, convidados, festa, alegria, abraços e algum acontecimento inesperado que inspirasse o autor. Mas não tem, porque somos todos boovs no momento e precisamos ficar Cada Um na Sua Casa (se não pegou a referência, use o Google). Isso torna o trabalho de escrever uma crônica de aniversário mais desafiador.
Talvez eu possa escrever uma crônica good vibes, agradecendo a Deus por estar vivo mais um ano, por estar próximo daqueles a quem amo, pelos filhos maravilhosos que eu tenho, pelas pessoas que conheci ao longo desses anos, algumas tão virtualmente presentes que parecem estar do lado, pelo bolo que comerei logo mais, pelo céu, pelas árvores que vejo da janela, enfim, por tudo. Mas não o farei. Essas coisas prefiro guardar no meu íntimo, por uma questão de herança paterna.
Enfim, cheguei até aqui pensando em como escrever uma crônica de aniversário na quarentena. Já sei! Vou procurar nos arquivos para ver se não escrevi uma no ano passado; afinal, não mudou muita coisa. Vou fazer um copy e cola, tal como certos juízes. Mas tomarei o cuidado de mudar pelo menos uma ou outra palavra.