O Homem do Chapéu
O homem do chapéu
Era um homem pouco alto. Menor que alguns e maior que a maioria. Vivia sua vida sossegada, com sua esposa, na chácara da rua Pedro Batista. Andava sozinho, na maioria das vezes, trabalhava muito e dormia cedo, depois do chá de cidreira que tomava, conversando na copa da cozinha. Era assim que chamavam o cômodo adjacente à cozinha, que era provido de guarda-comida, um balcão com cristaleira e uma mesa antiga, que tinha uma porta nos pés e onde se guardava toalhas e meninos levados.
Não havia tortura na casa, é bom que se diga. Os meninos iam se espremer entre as toalhas passadas, com cheiro de alfazema, por vontade própria. O quintal imenso da chácara nunca era suficiente para os folguedos infantis. Corria-se pela sala, cozinha, copa, quartos e banheiros, como se o espaço fosse um “playground” para os netos.
Seu Manoel, era esse seu nome, surgia sempre atento às brincadeiras, portando seu chapéu cinzento e seu sorriso cúmplice. Os netos podiam tudo. Inclusive vender limonada, bucha vegetal e goiaba no portão para ter uns cruzeiros para os docinhos…
- “Doces estragam os dentes. - Dizia, permissivo, com voz forte, como se realmente estivesse repreendendo os “malinos”, mas, as crianças sabiam que era só o modo de ele impor autoridade parcial. Parcial, porque as crianças comiam doces, mas, respeitavam os horários. Os horários, as quantidades quase nunca. Um cruzeiro de doces sumia em minutos nos horários permitidos. Não importa que no “embornalzinho” de papel coubesse quase meio quilo de doces. Bombons, balas, suspiros, pé-de-moleque, amendoim japonês e muitas outras delícias infantis…
Para todos os outros era o seu Manoel, impunha respeito, apesar do tamanho pouco comum. Para a esposa, era o Né, para os amigos, Macaxeira e, para os netos, apenas o vô. Já para os meninos da rua era o homem do chapéu da Pedro Batista. Cerca de Espinho e taioba brava, se pipa caísse lá era entregue sim, aos pedaços. Poucos meninos conseguiam conquistar seu Manoel e não era se fazendo amigo dos netos que alcançavam essa proeza, um pedido educado e um sorriso sincero quebrava o homem, que, ia na chácara e trazia o papagaio inteiro, fosse ele capucheta, sedinha ou de folha de pão. Inteiro, sem nenhuma marca e entregue com um agradecimento por não ter tentado entrar na sua “chacrinha” e, completava; “porque o menino sabe que seu Manoel vende umas verdurinhas”. Era peculiar seu jeito de ser sociável com seus pequenos perturbadores, dirigia-se a eles como se falasse de terceiros e as pessoinhas entendiam seu jeito.
Como avô tinha seus momentos de “pegue ali a alpercata que vou lhe dar uma sova, menino arteiro” e se o infeliz insistisse em “fazer suas obras”, levava sim umas “bordoadas” de chinelo de couro no lombo.
Sabia ler em uma época em que ser alfabetizado era para poucos. Fazia prova dos Nove e Prova Real de cabeça. Vendia doces na rua da Estação, perto das Casas Pernambucanas e sorria, tinha sempre uma palavra a dar a alguém. E um pedaço de pão ao faminto, que via de longe, apesar de ser quase cego.
por Elisabeth Lorena Alves