Milagre de um Domingo de Páscoa
Introito:
Aquela não era uma noite comum. A lua, passeando pelo céu, iluminava a terra, não só com a sua luz, mas, e acima de tudo, com sua graça, poesia e beleza singular às quais os milênios não conseguiram ofuscar. E ela era linda, como sempre, linda. Naquela noite, contudo, ela fazia todas as belezas se tornarem algo comum, singelo. Todas as demais coisas eram ofuscadas pela sua magistral beleza. Aquela era uma noite de um sábado – não de um sábado qualquer. Era uma noite que antecedia a um domingo especial: o Domingo de Páscoa.
Durante o dia, a criançada estivera em alvoroço. O assunto daquele sábado especial era o domingo que o antecederia. Os pais mais abastados já estavam preparados para a visita do Coelho da Páscoa às suas casas. E o Coelhinho, por certo, traria deliciosos ovinhos confeitados com os mais finos chocolates e que seriam degustados pelos felizardos filhos.
Todavia, nem todos tinham a mesma sorte. Dentre eles, um menino pobre e mais um grupo de crianças que, como ele, eram filhos de paupérrimos pais. Mas, se faltava dinheiro aos pais pobres, para a compra dos ovos de chocolate, sobrava criatividade às mães! E isso era o motivo para, nós meninos, estarmos alvoroçados. Sabíamos que o Coelhinho da Páscoa marcaria presença em nossas casas – portanto, tínhamos que nos preparar para recebê-lo!
E na manhã daquele sábado especial havíamos saído – em bando e em algazarra – para o matagal. Lá chegando, teríamos as duras e difíceis tarefas de cortar finos cipós, a grama da verde relva e levá-las, em feixes, para casa.
Com pequenos cortes pelo corpo (Coisas de somenos importância, por não ser nada ao qual o “Anestésico Alegria” não pudesse mitigar. Nada ao qual o todo poderoso “Antibiótico Esperança” não pudesse sanar. Nada que o melhor de todos os remédios – os Beijinhos da Mamãe – não pudessem curar.), alguns arranhões e sorrisos nas faces, chegamos em nossas casas. Com matéria prima nas mãos restava, agora, fazer uso da criatividade na confecção dos ninhos.
Uma Triste Face de Mãe:
O menino lembra-se muito bem de algo marcante: o preocupado e triste olhar da sua mamãe. Era um olhar cheio de tristeza e dor. Contudo, e pela pouca idade, não compreendia o porquê de tanta dor estampada no olhar e faces da sua amada mamãe!
Ela, porém, sabia. Vendo-o na labuta de construção da sua obra prima, não conseguia esconder uma indisfarçável inquietação. Por ser pobre – mesmo tendo criatividade – não tinha como realizar o sonho do seu filho: o de receber a visita, tão sonhada e esperada, do Coelhinho da Páscoa.
As outras empobrecidas mães já faziam as suas preparações. Na falta do dinheiro para os ovos de chocolate, cozinhavam ovos de galinha, pintavam-os com cores vivas e variadas e, à noite, enquanto dormiam os filhos, esses ovos eram colocados nos ninhos. No dia seguinte, a festa estaria armada. Os gritos da meninada, por certo, ecoariam por todas as ruas, extravasando a alegria por terem recebido a visita do Coelhinho da Páscoa, que deixara nos ninhos os gostosos e tão esperados ovinhos.
E esse era o motivo da tristeza da mamãe do menino: não havia dinheiro nem para a compra dos ovos para as alimentações diárias. De chocolate? – nem pensar! Por certo o Coelhinho da Páscoa não visitaria aquela miserável casa, residência do paupérrimo menino.
Alheando-se às preocupações da mãe, o menino preocupava-se, tão somente, na difícil tarefa da elaboração do ninho. Havia firme e forte na sua cabecinha, a esperança de receber a sonhada visita do Coelhinho da Páscoa.
Terminada a tarefa – ninho pronto! Na cara o menino estampava o riso de aflição pela chegada do Domingo de Páscoa. Cansado pela labuta diária, foi deitar-se, como de costume, com a barriguinha vazia e o peito saciado do alimento esperança. Ao passar pela mãe, pediu-lhe a bênção:
- Benção, mamãe!
- Que o bom Deus te abençoe, meu filho – respondera-lhe, não sem antes convidá-lo para uma oração. Juntos, mãe e filho rezaram a oração que o Filho Dele aos homens ensinara: “Pai nosso que estais nos céus (...). Amém!”
Uma Conversa com Deus:
Terminada a oração, o menino estampa nas faces a alegria que lhe dera o tom marcante durante todo o dia ora findo: - O Coelhinho da Páscoa vai me dar uns ovinhos de chocolate – alegre, pensou! E esse pensamento fizera estampar no faminto rosto do menino um lindo sorriso. Tendo nas faces um inocente riso, se dirigiu ao seu quarto e, de lá, novamente, pediu a bênção da sua mãe: - Benção, mamãe! E afoito, sem esperar a abençoada resposta, foi logo dizendo: - Dorme com Deus – viu mamãe?
-Amém, filho! Durma, também, com Deus, e que Ele te abençoe, meu filho amado – responde a mãe com as lágrimas a embargar-lhe a voz.
Um incontido soluço se esparge pelo quarto, chegando aos ouvidos do menino. A pobre mãe chora copiosamente. Em silêncio, o menino não consegue conter o sentimento – ele chora. As pálpebras não são fortes o bastante para sofrearem a força da dor. Os frágeis diques se rompem. As lágrimas cascateiam pelas faces, adentram pela boca e nela deixam a salgada água da dor. A mãe, ainda entre lágrimas, balbucia uma prece em forma de pedido ao Pai Celestial. Não era uma oração como as em voga. Era uma conversa com Deus, oriunda do âmago de uma sofrida alma. E ela pedia ao Pai:
-Senhor Deus..., por favor, não faça o meu amado filho sofrer! Dá-lhe, Senhor Deus, a compreensão da nossa pobreza. Fazei-o compreender, Senhor, que não tenho como pedir ao Coelhinho da Páscoa que dê uns ovinhos para ele! (Ainda soluçando, enxuga com o dorso das mãos as lágrimas que despencam pelas sofridas faces.) Ela prossegue: - Meu Pai Celestial, meu Senhor Deus, não permita que o meu pobre filho sofra tanto mais do que já tem sofrido. Ele é tão pequenino, Senhor meu Deus, e não merece mais tanto sofrimento.
Terminada a “conversa com Deus”, ela repete a prece que o Pai Celestial ensinou ao Filho, para que Ele aos homens ensinasse-a: “Pai nosso que estais nos céus, Santificado seja o Vosso nome (....)! Amém!”
Em seguida, assopra a chama da lamparina que provia com parca luz o minúsculo ambiente da humilde morada. O sopro apaga a chama. Contudo, um sopro de esperança e de inabalável fé acende uma luz de paz e de infinita magnitude em seu coração. Vencido pela exaustão e fome, o corpo cede ao cansaço e se queda nos braços de Morfeu – adormece! A escuridão, agora, reina soberba, tendo a oposição dos argênteos raios oriundos do luar que penetravam pelos buracos do telhado de zinco. O cricrilar dos grilos e os vadios pirilampos, indiferentes às dores, trilavam e bailavam com os raios – eram pares constantes naquele palco de tragicômica miséria.
Um Raio de Divina Luz:
No espaço, a brilhante lua é parcialmente coberta por uma espessa nuvem. Uma momentânea escuridão paira sobre aquele pedaço de chão. Em meio à fechada nuvem, surge um raio de luz oriundo de uma estrela de indescritível beleza e magnitude. Condensando toda a sua luz, ela forma um foco que vai incidir sobre aquela humílima cabana. E o raio de luz, contrariando todas as leis da física, vai fazendo meandros e adentra o recinto. Chega ao quarto. Lá, o raio luminoso ilumina o rosto da mulher. As suas faces estão contraídas, cheias de trejeitos e dores. Um espesso fio de lágrima escorre pela sofrida face – mesmo em sonhos, ela chora. Os sofrimentos passados durante todo o dia, voltaram sob a forma de tenebrosos pesadelos.
A luz, agora, sob a forma de gotículas prateadas, está pairando sobre aquele sofrido rosto. A sua tonalidade muda para um azul celestial e clareia, com mais intensidade, o rosto da mulher. Suas faces vão-se amainando e tornando-se mais alegres. Já esboça um leve arremedo de um pequeno sorriso. Era um sonho bom que chegava – era a força da divina luz quem expulsara os pesadelos que a atormentavam. Agora, a luz vai ao quarto do menino. Ele tremia – estava sentindo frio. A luz incide sobre o seu rosto, ilumina o roto cobertor e este se eleva no ar, paira, para, lentamente, pousar levemente sobre o menino, cobrindo-o, mantendo-o aquecido.
As prateadas gotículas saem do quarto e chegam à pobre despensa. Os recipientes que deviam conter alimentos estavam vazios. O foco de luz se condensa formando, desta feita, uma enorme bola. Ato seguinte, a bola se desfaz como se tivesse sido explodida, fazendo as suas gotículas transitarem em torno dos vazios recipientes. Os vazios, agora, são dispensados da despensa – a fartura se faz presente! Em silêncio, as prateadas gotículas se espargem por todo o recinto e se dirigem ao ninho do Coelho da Páscoa – depósito das esperanças do pobre menino – e o envolvem.
Terminada a sua missão, a luz retoma à sua antiga forma e vai se recolhendo – como se estivesse sendo abduzida por uma força divina – e se encaixa na brilhante estrela que sob o céu pairava. A estrela, então, se afasta com uma velocidade superior à da própria luz e se estiola no infinito éter.
A espessa nuvem desaparece. A lua volta a dominar, com sua argêntea luz, todo espaço sideral do seu reino.
Epílogo:
A noite vai chegando ao fim. A lua termina o seu belo, esplendoroso e noctívago footing madrugador. Agora, entre bocejos, descansava nos braços de Morfeu. O astro rei estava retomando o seu lugar no trono. Sua potente luz estava enviando a noite para o outro lado do mundo, pincelando o horizonte com matizes de indescritível beleza que faria D’Vinci se corar de inveja. Estava nascendo um novo dia.
O cantar distante de um velho galo era o despertador que despertara o menino. E ele, lépido, desce do catre onde dormira e corre em direção ao ninho.
A mãe já se encontrava de há muito acordada. Tivera, ela, uma parte da noite recheada por pesadelos oriundos da dura realidade vivida. Agora, a pobre senhora estava acabando de fazer o café que, solitário (Ela ainda não havia notado que os vasilhames da sua desprovida despensa estavam, agora, supridos dos alimentos que, antes faltavam.) seria servido ao filho amado. O peito era uma mistura de angústia, dor e sofrimento por estar, involuntariamente, decepcionando ao amado filho – paupérrima e indefesa criança!
E são dele os gritos que ela ouve. E é dele o choro que lhe chega aos ouvidos. Ela, chorando, enxugando as lágrimas em seu surrado avental corre em socorro ao filho amado. Quer e precisa consolá-lo. Urge fazê-lo entender que o Coelhinho da Páscoa não poderia trazer-lhe os esperados Ovinhos de Páscoa, aos quais ela não tinha como lhe dar. Com intensidade, soluça e pede a Deus forças para suportar as angústias e provações pelas quais estavam passando:
- Valha-me, Senhor Deus – pedira!
Ela encontra o filho amado. Ele chora. O choro do seu querido filho lhe fere a alma fazendo doer-lhe o peito como se esse fosse atingido por punhaladas a lhe dilacerarem o já sofrido coração.
Mas o choro do menino era um choro diferente – era um choro de incontida alegria. Nas suas mãozinhas está um enorme ninho repleto de imensos ovos do mais fino e delicioso chocolate que jamais fora degustado por nenhum dos seres humanos.
Mãe e filho se abraçam. Mãe e filho se prostram de joelhos, choram de emoção e incontida alegria, orando em agradecimento ao Deus Pai por aquele “Milagre de Um Domingo de Páscoa!”
Aquela não era uma noite comum. A lua, passeando pelo céu, iluminava a terra, não só com a sua luz, mas, e acima de tudo, com sua graça, poesia e beleza singular às quais os milênios não conseguiram ofuscar. E ela era linda, como sempre, linda. Naquela noite, contudo, ela fazia todas as belezas se tornarem algo comum, singelo. Todas as demais coisas eram ofuscadas pela sua magistral beleza. Aquela era uma noite de um sábado – não de um sábado qualquer. Era uma noite que antecedia a um domingo especial: o Domingo de Páscoa.
Durante o dia, a criançada estivera em alvoroço. O assunto daquele sábado especial era o domingo que o antecederia. Os pais mais abastados já estavam preparados para a visita do Coelho da Páscoa às suas casas. E o Coelhinho, por certo, traria deliciosos ovinhos confeitados com os mais finos chocolates e que seriam degustados pelos felizardos filhos.
Todavia, nem todos tinham a mesma sorte. Dentre eles, um menino pobre e mais um grupo de crianças que, como ele, eram filhos de paupérrimos pais. Mas, se faltava dinheiro aos pais pobres, para a compra dos ovos de chocolate, sobrava criatividade às mães! E isso era o motivo para, nós meninos, estarmos alvoroçados. Sabíamos que o Coelhinho da Páscoa marcaria presença em nossas casas – portanto, tínhamos que nos preparar para recebê-lo!
E na manhã daquele sábado especial havíamos saído – em bando e em algazarra – para o matagal. Lá chegando, teríamos as duras e difíceis tarefas de cortar finos cipós, a grama da verde relva e levá-las, em feixes, para casa.
Com pequenos cortes pelo corpo (Coisas de somenos importância, por não ser nada ao qual o “Anestésico Alegria” não pudesse mitigar. Nada ao qual o todo poderoso “Antibiótico Esperança” não pudesse sanar. Nada que o melhor de todos os remédios – os Beijinhos da Mamãe – não pudessem curar.), alguns arranhões e sorrisos nas faces, chegamos em nossas casas. Com matéria prima nas mãos restava, agora, fazer uso da criatividade na confecção dos ninhos.
Uma Triste Face de Mãe:
O menino lembra-se muito bem de algo marcante: o preocupado e triste olhar da sua mamãe. Era um olhar cheio de tristeza e dor. Contudo, e pela pouca idade, não compreendia o porquê de tanta dor estampada no olhar e faces da sua amada mamãe!
Ela, porém, sabia. Vendo-o na labuta de construção da sua obra prima, não conseguia esconder uma indisfarçável inquietação. Por ser pobre – mesmo tendo criatividade – não tinha como realizar o sonho do seu filho: o de receber a visita, tão sonhada e esperada, do Coelhinho da Páscoa.
As outras empobrecidas mães já faziam as suas preparações. Na falta do dinheiro para os ovos de chocolate, cozinhavam ovos de galinha, pintavam-os com cores vivas e variadas e, à noite, enquanto dormiam os filhos, esses ovos eram colocados nos ninhos. No dia seguinte, a festa estaria armada. Os gritos da meninada, por certo, ecoariam por todas as ruas, extravasando a alegria por terem recebido a visita do Coelhinho da Páscoa, que deixara nos ninhos os gostosos e tão esperados ovinhos.
E esse era o motivo da tristeza da mamãe do menino: não havia dinheiro nem para a compra dos ovos para as alimentações diárias. De chocolate? – nem pensar! Por certo o Coelhinho da Páscoa não visitaria aquela miserável casa, residência do paupérrimo menino.
Alheando-se às preocupações da mãe, o menino preocupava-se, tão somente, na difícil tarefa da elaboração do ninho. Havia firme e forte na sua cabecinha, a esperança de receber a sonhada visita do Coelhinho da Páscoa.
Terminada a tarefa – ninho pronto! Na cara o menino estampava o riso de aflição pela chegada do Domingo de Páscoa. Cansado pela labuta diária, foi deitar-se, como de costume, com a barriguinha vazia e o peito saciado do alimento esperança. Ao passar pela mãe, pediu-lhe a bênção:
- Benção, mamãe!
- Que o bom Deus te abençoe, meu filho – respondera-lhe, não sem antes convidá-lo para uma oração. Juntos, mãe e filho rezaram a oração que o Filho Dele aos homens ensinara: “Pai nosso que estais nos céus (...). Amém!”
Uma Conversa com Deus:
Terminada a oração, o menino estampa nas faces a alegria que lhe dera o tom marcante durante todo o dia ora findo: - O Coelhinho da Páscoa vai me dar uns ovinhos de chocolate – alegre, pensou! E esse pensamento fizera estampar no faminto rosto do menino um lindo sorriso. Tendo nas faces um inocente riso, se dirigiu ao seu quarto e, de lá, novamente, pediu a bênção da sua mãe: - Benção, mamãe! E afoito, sem esperar a abençoada resposta, foi logo dizendo: - Dorme com Deus – viu mamãe?
-Amém, filho! Durma, também, com Deus, e que Ele te abençoe, meu filho amado – responde a mãe com as lágrimas a embargar-lhe a voz.
Um incontido soluço se esparge pelo quarto, chegando aos ouvidos do menino. A pobre mãe chora copiosamente. Em silêncio, o menino não consegue conter o sentimento – ele chora. As pálpebras não são fortes o bastante para sofrearem a força da dor. Os frágeis diques se rompem. As lágrimas cascateiam pelas faces, adentram pela boca e nela deixam a salgada água da dor. A mãe, ainda entre lágrimas, balbucia uma prece em forma de pedido ao Pai Celestial. Não era uma oração como as em voga. Era uma conversa com Deus, oriunda do âmago de uma sofrida alma. E ela pedia ao Pai:
-Senhor Deus..., por favor, não faça o meu amado filho sofrer! Dá-lhe, Senhor Deus, a compreensão da nossa pobreza. Fazei-o compreender, Senhor, que não tenho como pedir ao Coelhinho da Páscoa que dê uns ovinhos para ele! (Ainda soluçando, enxuga com o dorso das mãos as lágrimas que despencam pelas sofridas faces.) Ela prossegue: - Meu Pai Celestial, meu Senhor Deus, não permita que o meu pobre filho sofra tanto mais do que já tem sofrido. Ele é tão pequenino, Senhor meu Deus, e não merece mais tanto sofrimento.
Terminada a “conversa com Deus”, ela repete a prece que o Pai Celestial ensinou ao Filho, para que Ele aos homens ensinasse-a: “Pai nosso que estais nos céus, Santificado seja o Vosso nome (....)! Amém!”
Em seguida, assopra a chama da lamparina que provia com parca luz o minúsculo ambiente da humilde morada. O sopro apaga a chama. Contudo, um sopro de esperança e de inabalável fé acende uma luz de paz e de infinita magnitude em seu coração. Vencido pela exaustão e fome, o corpo cede ao cansaço e se queda nos braços de Morfeu – adormece! A escuridão, agora, reina soberba, tendo a oposição dos argênteos raios oriundos do luar que penetravam pelos buracos do telhado de zinco. O cricrilar dos grilos e os vadios pirilampos, indiferentes às dores, trilavam e bailavam com os raios – eram pares constantes naquele palco de tragicômica miséria.
Um Raio de Divina Luz:
No espaço, a brilhante lua é parcialmente coberta por uma espessa nuvem. Uma momentânea escuridão paira sobre aquele pedaço de chão. Em meio à fechada nuvem, surge um raio de luz oriundo de uma estrela de indescritível beleza e magnitude. Condensando toda a sua luz, ela forma um foco que vai incidir sobre aquela humílima cabana. E o raio de luz, contrariando todas as leis da física, vai fazendo meandros e adentra o recinto. Chega ao quarto. Lá, o raio luminoso ilumina o rosto da mulher. As suas faces estão contraídas, cheias de trejeitos e dores. Um espesso fio de lágrima escorre pela sofrida face – mesmo em sonhos, ela chora. Os sofrimentos passados durante todo o dia, voltaram sob a forma de tenebrosos pesadelos.
A luz, agora, sob a forma de gotículas prateadas, está pairando sobre aquele sofrido rosto. A sua tonalidade muda para um azul celestial e clareia, com mais intensidade, o rosto da mulher. Suas faces vão-se amainando e tornando-se mais alegres. Já esboça um leve arremedo de um pequeno sorriso. Era um sonho bom que chegava – era a força da divina luz quem expulsara os pesadelos que a atormentavam. Agora, a luz vai ao quarto do menino. Ele tremia – estava sentindo frio. A luz incide sobre o seu rosto, ilumina o roto cobertor e este se eleva no ar, paira, para, lentamente, pousar levemente sobre o menino, cobrindo-o, mantendo-o aquecido.
As prateadas gotículas saem do quarto e chegam à pobre despensa. Os recipientes que deviam conter alimentos estavam vazios. O foco de luz se condensa formando, desta feita, uma enorme bola. Ato seguinte, a bola se desfaz como se tivesse sido explodida, fazendo as suas gotículas transitarem em torno dos vazios recipientes. Os vazios, agora, são dispensados da despensa – a fartura se faz presente! Em silêncio, as prateadas gotículas se espargem por todo o recinto e se dirigem ao ninho do Coelho da Páscoa – depósito das esperanças do pobre menino – e o envolvem.
Terminada a sua missão, a luz retoma à sua antiga forma e vai se recolhendo – como se estivesse sendo abduzida por uma força divina – e se encaixa na brilhante estrela que sob o céu pairava. A estrela, então, se afasta com uma velocidade superior à da própria luz e se estiola no infinito éter.
A espessa nuvem desaparece. A lua volta a dominar, com sua argêntea luz, todo espaço sideral do seu reino.
Epílogo:
A noite vai chegando ao fim. A lua termina o seu belo, esplendoroso e noctívago footing madrugador. Agora, entre bocejos, descansava nos braços de Morfeu. O astro rei estava retomando o seu lugar no trono. Sua potente luz estava enviando a noite para o outro lado do mundo, pincelando o horizonte com matizes de indescritível beleza que faria D’Vinci se corar de inveja. Estava nascendo um novo dia.
O cantar distante de um velho galo era o despertador que despertara o menino. E ele, lépido, desce do catre onde dormira e corre em direção ao ninho.
A mãe já se encontrava de há muito acordada. Tivera, ela, uma parte da noite recheada por pesadelos oriundos da dura realidade vivida. Agora, a pobre senhora estava acabando de fazer o café que, solitário (Ela ainda não havia notado que os vasilhames da sua desprovida despensa estavam, agora, supridos dos alimentos que, antes faltavam.) seria servido ao filho amado. O peito era uma mistura de angústia, dor e sofrimento por estar, involuntariamente, decepcionando ao amado filho – paupérrima e indefesa criança!
E são dele os gritos que ela ouve. E é dele o choro que lhe chega aos ouvidos. Ela, chorando, enxugando as lágrimas em seu surrado avental corre em socorro ao filho amado. Quer e precisa consolá-lo. Urge fazê-lo entender que o Coelhinho da Páscoa não poderia trazer-lhe os esperados Ovinhos de Páscoa, aos quais ela não tinha como lhe dar. Com intensidade, soluça e pede a Deus forças para suportar as angústias e provações pelas quais estavam passando:
- Valha-me, Senhor Deus – pedira!
Ela encontra o filho amado. Ele chora. O choro do seu querido filho lhe fere a alma fazendo doer-lhe o peito como se esse fosse atingido por punhaladas a lhe dilacerarem o já sofrido coração.
Mas o choro do menino era um choro diferente – era um choro de incontida alegria. Nas suas mãozinhas está um enorme ninho repleto de imensos ovos do mais fino e delicioso chocolate que jamais fora degustado por nenhum dos seres humanos.
Mãe e filho se abraçam. Mãe e filho se prostram de joelhos, choram de emoção e incontida alegria, orando em agradecimento ao Deus Pai por aquele “Milagre de Um Domingo de Páscoa!”
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Imagem: Google
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