O poder da vassoura
1. Não há coisa pior no mundo do que uma visita fora de hora e sem hora para terminar. Quero dizer o seguinte: o visitante chega na sua casa sem ser convidado, senta-se e se dana a conversar, sem ligar para o relógio.
Garanto que muitos dos meus amados leitores já passaram por esse cruciante vexame.
2. E tem aquele visitante que chega na hora das refeições pedindo mil desculpas pela "coincidência do horário". Aproveita, e passa a fazer extensos e cansativos elogios ao tempero da cozinheira que, de repente, pode ser a dona da casa.
Na saída, pede a receita do bacalhau a Gomes de Sá ou do filé mignon, ao molho madeira, que acabara de saborear.
3. Há visitantes, que recebê-los, na hora das refeições, dá prazer; abrem o apetite. São mensageiros de ternura e paz. Discutem qualquer assunto; do futebol à gastronomia. Conhecedores de bons cardápios, não há melhores companheiros nas mesas de restaurantes.
4. Sábado desses, não faz muito tempo, por volta das nove da noite, meu celular tocou. Atendi e ouvi: "Olha, tô chegando por aí". E desligou. Não houve tempo para fazê-lo desistir da visita.
Me pus, então, a pensar, o que dizer ao colega ao retornar a ligação. Chamei-o ao telefone. Pedi-lhe para não vir, alegando que estava em quarentena, atingido pela Covid-19, o que não era verdade. E ele: "Sem problema: estou vacinado e usando máscara".
5. Chegou, elogiando minha performance e zombando de minha Covid. Antes de se sentar, abriu a primeira garrafa de uísque que encontrou pela frente. Encerrou a visita quando meu velho relógio de parede, comigo há mais de trinta anos, marcava meia-noite e meia.
6. A pergunta é: o que o fizera encerrar o papo, pegar sua capanga e se mandar? As orações de Ivone, já sonolenta? Não. A história é outra.
Mesmo enfadado, lembrei-me que, recentemente, re-encontrara, em "Coisa que o povo diz", livro do folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), a receita para expulsar visitantes que incomodam: por uma vassoura atrás da porta. Uma receita antiga como a Sé de Braga.
7. Vejam o que escreveu Cascudo: "Uma das formas aconselhadas para abreviar as visitas intermináveis é colocar a vassoura atrás da porta" E completa: "...ato supersticioso com mais de vinte séculos de existência".
8. Aproveitando um cochilo do amigo, já perseguido pela sonolência etílica, coloquei atrás da porta a primeira vassoura que descobri na cozinha. Pois não é que deu certo? De repente meu amigo começou a se despedir e partiu, Da janela, acompanhei seus passos lentos e pendulares.
Oh! Qui vassoura poderosa!
1. Não há coisa pior no mundo do que uma visita fora de hora e sem hora para terminar. Quero dizer o seguinte: o visitante chega na sua casa sem ser convidado, senta-se e se dana a conversar, sem ligar para o relógio.
Garanto que muitos dos meus amados leitores já passaram por esse cruciante vexame.
2. E tem aquele visitante que chega na hora das refeições pedindo mil desculpas pela "coincidência do horário". Aproveita, e passa a fazer extensos e cansativos elogios ao tempero da cozinheira que, de repente, pode ser a dona da casa.
Na saída, pede a receita do bacalhau a Gomes de Sá ou do filé mignon, ao molho madeira, que acabara de saborear.
3. Há visitantes, que recebê-los, na hora das refeições, dá prazer; abrem o apetite. São mensageiros de ternura e paz. Discutem qualquer assunto; do futebol à gastronomia. Conhecedores de bons cardápios, não há melhores companheiros nas mesas de restaurantes.
4. Sábado desses, não faz muito tempo, por volta das nove da noite, meu celular tocou. Atendi e ouvi: "Olha, tô chegando por aí". E desligou. Não houve tempo para fazê-lo desistir da visita.
Me pus, então, a pensar, o que dizer ao colega ao retornar a ligação. Chamei-o ao telefone. Pedi-lhe para não vir, alegando que estava em quarentena, atingido pela Covid-19, o que não era verdade. E ele: "Sem problema: estou vacinado e usando máscara".
5. Chegou, elogiando minha performance e zombando de minha Covid. Antes de se sentar, abriu a primeira garrafa de uísque que encontrou pela frente. Encerrou a visita quando meu velho relógio de parede, comigo há mais de trinta anos, marcava meia-noite e meia.
6. A pergunta é: o que o fizera encerrar o papo, pegar sua capanga e se mandar? As orações de Ivone, já sonolenta? Não. A história é outra.
Mesmo enfadado, lembrei-me que, recentemente, re-encontrara, em "Coisa que o povo diz", livro do folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), a receita para expulsar visitantes que incomodam: por uma vassoura atrás da porta. Uma receita antiga como a Sé de Braga.
7. Vejam o que escreveu Cascudo: "Uma das formas aconselhadas para abreviar as visitas intermináveis é colocar a vassoura atrás da porta" E completa: "...ato supersticioso com mais de vinte séculos de existência".
8. Aproveitando um cochilo do amigo, já perseguido pela sonolência etílica, coloquei atrás da porta a primeira vassoura que descobri na cozinha. Pois não é que deu certo? De repente meu amigo começou a se despedir e partiu, Da janela, acompanhei seus passos lentos e pendulares.
Oh! Qui vassoura poderosa!