31 de Março de 1974 - Uma mancha negra no meu passado
Data (Date): 31-03-1974
Tipo (Class): oficial (official) (351)
Competição (Competition): amistoso (friendly)
Local (Venue): Estádio do Maracanã
Cidade (City): Rio de Janeiro (Brasil/Brazil)
Árbitro (Referee): Miguel Ángel Comesaña (Argentina)
Brasil X México 1 X 1
Gols (Goals):
Jairzinho31 / 37, Manuel Manzo.
Os dados acima são verdadeiros e ainda estão vivos na minha memória. Como já é do conhecimento de muitos da minha geração, nas escolas nos ensinavam que o dia 31 de março de 1964 era um dia gloriosos para o nosso país porque houve uma revolução que não deixaria o Brasil cair nas mãos dos comunistas considerados nossos inimigos número 1.
Ainda neste ano de 1974 eu tinha a tal revolução como um marco histórico para bem da nossa nação, porque ainda nas escolas éramos alimentados com essa falsa ideia! Vale ressaltar que em todas as repartições públicas a foto do presidente em exercício, neste caso um general, era presença obrigatória na parte de destaque dentro da repartição e o mesmo acontecia nas secretarias das escola, quer públicas, quer particulares.
Na primeira metade dos anos 1974 com as leituras de jornais como o Pasquim, alguns programas da Rádio Bandeirantes e de maneira capital os contatos e aprendizados com o jovem idealista Joaquim Lisboa Neto, o saudoso Izoterano, Alcindo,um dos filhos de Manoel Afonso, as informações passadas sobre Morais no exílio, Kadinha, Cesinha, Ruy Lisboa, Décio do Banco do Brasil, Nando, Thelma e outras pessoas, com elas eu comecei a ter a ideia de quão famigerada foi a tal revolução, que na verdade foi o segundo golpe militar dado no Brasil, na verdade tivemos vários golpes militares, mas o de 15 de novembro de 1889 e de 31 de março de 1964 tiveram grande relevância historica.
O primeiro tinha sido em 15 de novembro de 1889 com a Proclamação da República, através do covarde Marechal Deodoro da Fonseca, muito ligado à corte e não foi homem o suficiente para ir pessoalmente avisar o Imperador do golpe e mandou apenas um bilhetinho.
Dom Pedro Segundo e família foram escorraçados de surpresas em uma madrugada quente e chuvosa saindo praticamente com a roupa do corpo. Em 1964 até tentaram derrubar o avião que transporta o João Goulart, mas as armas eram ineficientes.
Mas não estou aqui a discorrer sobre os fatos porque não sou historiador! Mas discorrerei sobre o fato que aconteceu em 31 de março de 1974, em pleno domingo de futebol no nosso estádio e amistoso da seleção brasileira no Maracanã no Rio de Janeiro.
Acontece que a "Revolução" completava dez anos do seu acontecimento. As autoridades de Santa Maria da Vitória resolveram fazer uma comemoração de gala na Câmara dos Vereadores e convidaram todos os colégios a enviarem representantes.
A minha turma estudava a oitava série na Escola Popular Oliveira Magalhães e por indicação do nosso professor, o saudoso Wilson Barros, sugeriu à diretora dona Nenzinha que enviasse os representantes do Grêmio a fim de representarem a escola.
Até ai tudo bem! Iriamos perder o jogo do nosso campeonato no estádio e de ouvir também a transmissão do jogo da nossa seleção brasileira em preparação para a copa da Alemanha. O pior aconteceu no sábado à noite, quando dona Nenzinha chegou na casa de vó Lindaura com uma folha de papel, na qual estava exarado um discurso escrito em uma letra muito linda pelo seu Adenor Batista Mariano.
- Você vai proferir este discurso representando a escola. Disse dona Nenzinha.
- Não pode ser lido pelo Delfino Arruda? Perguntei.
- É você mesmo, pois Wilson Barros, que era o nosso professo de História Geral e Educação Moral e Cívica, disse que você é o orador da turma.
Desde então comecei a treinar em casa a leitura do discurso em homenagem a "Revolução de 31 de março de 1964 que completava naquele domingo meio de mormaço, dez anos.
Finalmente no domingo de 31 de março de 1974 George, Jairo, Delfino Arruda e mais alguns outros e eu, ficamos à espera da chegada do professor Wilson Barros para adentrarmos à Câmara Municipal de Vereadores de Santa Maria da Vitória.
Confesso que nunca tinha entrado na Câmara. Ao chegarmos fomos anunciados pelo mestre de cerimônia e como não havia lugares para sentarmos, ficamos de pé encostados na parede de frente de todo aquele público formado por notáveis da cidade. Sempre que alguém encerrava o seu discurso no púlpito, Wilson Barros fazia o sinal para que eu subisse mas fui enrolando.
Finalmente chegara o momento em que eu não podia mais adiar a subida ao púlpito, já que o gesto mais efusivo do professor Wilson Barros não me dava mais escolha. Nervoso como alguém que estivesse indo para a forca, subi a primeira escada que dava acesso ao local do discurso, subi a segunda escada mas não percebi que havia mais três degraus para completar a minha subida.
Meti o pé na madeira e perdi a minha passada e como o tênis estava gasto pelo uso, cai de quatro e escorreguei até o início da segunda escada, sendo amparado pelos meus colegas ali presentes que me ajudaram a completar a subida. Por incrível que pareça ninguém ali no público deu risada. Respeitaram o meu drama.
Do lado do púlpito de frente para aquela plateia silenciosa, eu não conseguia para de tremer. os meus joelhos batiam se um no outro e para buscar uma maior estabilidade e não desabar de novo, finquei os dois cotovelos no púlpito. O recinto estava enfeitado com a bandeira do Brasil, a bandeira da Bahia e a bandeira da nossa cidade.
Dei uma olhada fixa na bandeira do Brasil, citei um trecho do Ruy Barbosa tirado do livro Oração aos Moços, complementado com um improviso ai os aplausos foram feitos de maneira ensurdecedora e com este tônico, tirei o discurso do bolso e matei a pau, colocando o meu quase dom de orador. Delfino Arruda também subiu no púlpito e falou algumas palavras também sendo aplaudido.
Quando encerrei com o tenho dito, os aplausos foram gigantescos e com muita gente de pé. Fiquei lisonjeado e feliz com os muitos cumprimentos. Tive um dia de glória! Inclusive na segunda feira eu estava passando à frente da casa de Neusa Coelho e o pastor da igreja Batista fez questão de apertar a minha mão, me deu parabéns e perguntou se eu não havia me machucado. Na sala de aula Wilson Barros agradeceu a nossa participação.
Com o passar dos dias em que fui tomando conhecimento da "Revolução" aquele meu discurso aplaudido efusivamente pisava na memórias de todos aqueles foram assassinados e até hoje os parentes nunca puderam fazer uma homenagem póstuma! Dos que foram torturados duramente nas prisões onde muitos pereceram. Dos muitos cassados e exilados! A supressão incontinente dos direitos humanos relacionados às pessoas e culturas! E tantas outras coisas.
Eu até posso usar o jargão que muitos culpados pelas torturas e assassinatos na ditadura para justificaram as atrocidades cometidas: eu cumpria ordens e era o meu dever cumprir ordens! No meu caso eu representava a instituição escolar e cumpri com o que me foi determinado! Simples assim né?
Não é tão simples assim discursar em homenagem a um golpe militar que deixou que barbaridades acontecessem ceifando a vida de milhares de pessoas.
Devo confessar que se fosse hoje eu teria peitado a gestão da escola e não pronunciaria o discurso mas na época vivíamos em plena ditadura militar e qualquer ato de rebeldia, poderia sair caro para qualquer um da escola e da cidade. Até hoje sinto vergonha de ter vivido aquele momento de glória na Câmara Municipal de Santa Maria da Vitória, enquanto milhares de compatriotas sofriam as mazelas perversas da ditadura.
João Batista Figueiredo confirma a revolução! E como foi militar a isso se dá o nome de golpe militar. E se só generais sucedem o poder, o nome correto é ditadura militar! Muito me enojam aqueles que negam a existência do golpe, da ditadura, das torturas que enaltecem o golpe deixa me deverasmente estarrecido, sem acreditar! Como se deturpa propositalmente a história.
É meio sinistro quando se troca comandos militares justamente na véspera do dia 31 de março. Será que estou paranoico com esta pandemia e começando a ver fantasmas onde tem bastante!
Tenho dito