Sacrifícios

Cedo da manhã, ainda nem bem o sol havia saído e galo nenhum cantado, ele saía para os afazeres na roça. Se fosse tempo de inverno, enxada abria as covas na terra úmida das primeiras chuvas e abrigavam três grãos de milho ou feijão ligeiro. Os pés rachados da terra e da sandália de couro, agora calçavam uma botina e com vigor cobria a cova com a terra extra. Quando tinha ajuda de um filho, este seguia o pai, tapando as covas, seguindo a trilha em frente, onde várias sementes caíam sonhando esperança de virar fruto.

Nem sempre o trabalho era assim. Havia dias escassos de chuva, o que não era vindouro para o plantio, e muito menos esperança de ver a estação nova. O pai arrancava mato, pegava a planta verde que ainda restava para matar a fome do pequeno rebanho. E ao invés de milho ou feijão plantava palmas, uma espécie de cacto, rico em água para saciar a sede de quem há muito não via água cair dos céus.

A roça de maniva aos poucos morrendo, dava lugar à espécies da caatinga para mitigar a fome dos bichos.

Em casa, os filhos menores não tinham a noção real da dureza dos dias, da secura do tempo e sonhavam com os banhos de chuveiro, já que as biqueiras pareciam nunca pingar inverno. No entanto, o banho só de bacia e cuia, com pouca água salobra, que a mãe trazia de algum cacimbão da vizinhança numa lata sobre a cabeça, e com ajuda das filhas maiores , caminhando com um galão, um caldeirão, uma latinha menor que coubesse qualquer gota d’água.

Quase ao meio dia o pai retornava puxando um burro velho, e pesando sob o lombo do pobre animal, uma cangalha de couro e dois barris de madeira trazendo água para suprir a necessidade. O pai estalava a língua para emitir um som de pare, fazia um sinal para que o burrinho freasse, e com sofreguidão relichava. O pai amarrava o burro embaixo da algarobeira e retirava os barris. Suado, eximido de força, fazia seu último esforço: Levar nos ombros os barris, um por vez, e lá no fundo do quintal, subia numa escada para despejar os litros da água sagrada na pequena caixa d’água que fazia o chuveiro enlodado respingar uma vez ao mês. A água tão pouca, era a fartura para a felicidade dos filhos que faziam fila para se banharem no chuveiro. A água refrescava o calor, e as crianças sorriam, ingênuas em suas pequenas felicidades. Porém, não entendem: os respingos da água fria que corria da cabeça aos pés e lavava o banheiro como um pequenino riacho, correra antes. As crianças não conseguiram ver que as mesmas gotículas que lhes davam prazer, eram lágrimas de dor no pequeno burrico, e correra antes, forte e profundas no suor do velho pai, no esforço e em seu sacrifício para proporcionar alegria aos filhos.

Paula Belmino