Gotas de cuidado
A sala já estava tranquila e quase vazia. Já passava do meio-dia e meia, estou de um lado da sala, a tia Toinha do outro e a Maria quase no meio.
Digito meu primeiro planejamento bimestral e minha garganta está mais seca do que meu Piauí no B-R-O-BRÓ, mas o medo de ser contaminada é tamanho que não consigo sequer tirar a máscara para tomar água.
Maria, todos os dias leva sua garrafinha com água e a coloca sobre a mesa. Vejo- a levantar, posicionar-se próximo à janela, baixar a máscara um pouquinho e com muito cuidado, pegar a garrafa, e sem que a ponta da garrafa toque seus lábios ela derrama algumas gotas de água na boca que ao que parece não desceram redondas.
Baixo a cabeça e continuo digitando, mas, como sempre percebo tudo o que acontece ao meu redor e como já disse minha oftalmologista em certa consulta: tenho olhos de águia. Então, é inevitável, percebo que ela vira a garrafa sobre a boca, e olho. E é nesse momento que percebo que ela tosse... e pula e se abana.
Rapidamente fica vermelha e sem ar por alguns segundos.
Imediatamente tia Toinha diz: “São Brás! São Brás! Desengasgue essa moça!
Então nesse momento, ela respira fundo e fala:” quase morro em um gole d’água!”
Passado um pouco a agonia, nos olhamos e começamos a sorrir: “KKKKKKKKKKKK”
__ Com medo de morrer de coronavírus, quase morre afogada, amiga! __ disse-lhe.
__Da próxima, beberei de verdade, KKKKK....
O dia inteiro convivo com pessoas que agem com naturalidade como se não estivéssemos em pandemia e as poucas que pensam nos mínimos detalhes para evitar o contágio acabam por passar pequenos sufocos.
Diante do que vejo, não há dúvidas de que é infinitamente melhor, afogar-se em gotas de água do que voar sem ar.
Clemilda Sousa