Ícone
Em 1991, quando estive em Londres, visitei o Museu de Freud na tranqüila Mayersfield Gardens street.Vidrado em Psicanálise e grato ao grande mestre por uma espécie de parto do ego (feito pela competente Márcia dos Anjos), experimentei uma das emoções mais intensas de que me recordo: a visão do primeiro divã.
Aquela Londres era bem menos neurótica que a atual, embora eu tenha sido seguido por um guarda da National Gallery curioso em relação ao que eu levava na mochila.
Foi na Londres de 1939 que Freud buscou abrigo fugindo dos nazistas. Eles haviam haviam invadido a Áustria, e o obrigado a deixar Viena, cidade na qual a Psicanálise nasceu e se desenvolveu. Ali também estive, visitando a Bergasse, 19, berço de um dos maiores empreendimentos intelectuais da modernidade, e onde a família Freud residiu por décadas.
Não sei se voltarei a Londres um dia. Ficam aqui estas palavras, o poema abaixo, e esta foto como mensagem de esperança num futuro mais luminoso.
ÍCONE
Meu mestre adquiria estatuetas
Recolhidas de algum sítio primitivo
E as envolvia depois, obssessivo,
Em brumas no set de primo entre exegetas.
Escavação a dois ali se fazia
Mas em outro sítio e próprio rito:
A mão já não tocava o mito;
Rude e ousado verbo é que o dizia.
Agora, por influência do velho,
Valho-me de alguma arqueologia
Na busca de meus mitos - qual seria
O verbo a lhes tirar o pó e o brilho?
Em meu escriptorium não há bruma
de Havanas. A conversa é solitária
- Lugar de incerta empresa literária -
Mas zelo dessas peças uma a uma.
E ouço a era vulgar julgando vulgarmente
O mestre, que, mito, me reprovaria
Por dizê-lo (há bastante bruxaria
E véus descendo sobre o inconsciente).