CHAMPIGNONS EM CONSERVA


Quase todos os dias, por volta das 12:00, costumo fazer um "tour" num supermercado próximo de onde trabalho.
É meu horário de almoço e o tempo de que disponho, gasto (por vezes gasto em alguns supérfluos) percorrendo as gôndolas, vendo as novidades e blá...blá...blá...
Dia desses, no setor de enlatados e conservas, um pequeno frasco (um tanto caro para o meu bolso) remeteu-me lá para o fim dos anos 50, inicio dos anos sessenta, por aí.
Em minhas mãos, um frasco de champignons em conserva.
Vêm-me à lembrança:
Um pequeno pontilhão improvisado sobre o riacho que separava o nosso pomar da imensidão verde onde havia tão somente uma casa .
A casa de dona Belica - do seu Juvino - como todos a conheciam.
Belica e Juvino eram compadres de meus pais e o pontilhão fora construído como forma de atalho para que uma chegasse à casa da outra.
Ambas - Belica e minha mãe - em tudo se combinavam, desde as pequenas inserções mata a dentro para apanhar vassouras até os preparativos de quitutes nas festas juninas, onde não faltava uma fogueira nesta ou naquela casa.
Tilinta ainda em meus ouvidos a gaitinha de oito baixos com que o saudoso "Tóxo" (Todo polaco de nome Antonio, é sempre denominado de Tóxo) animava aquelas festas.
[ O balão vai subindo///Vai caindo a garoa///O céu é tão lindo e a noite é boa...]
Mas, voltemos ao pote de champignons.
A "mistura" de que vou lhes falar na sequência, pode parecer pouco ortodoxa, mas era pra nós, um verdadeiro manjar dos deuses.
Sempre que chovia, especialmente nas chuvas de verão, surgiam pelos gramados e barrancos, dezenas de cogumelos (havia quem os denominasse urupês) viçosos, saudáveis, de uma cor muito branca.
Dimas, filho de dona Belica, mais algumas de suas irmãs convocavam-me aos berros e, juntos, saíamos pelos campos umedecidos a catar as preciosidades.
Retornávamos com uma cesta repleta e aí é que entra a receita que criamos e que talvez tenha sido um jeito muito tacanho de degustar as pequenas ogivas.
Na cozinha ampla da casa da vizinha, o fogão à lenha ardia em chamas próximo à porta dos fundos.
Depois de bem lavados, os cogumelos eram sapecados em chapa quente.Alguém surgia do quintal com um punhado de cheiros verdes e dona Belica batia alguns ovos numa tigela.
De posse de uma frigideira - tamanho família grande - aquecia banha de porco, dava uma refogada nos "champignons" e os cobria com ovos batidos e ervas de tempero.
A cozinha incensava-se ao mais provocante dos cheiros e a esta altura estávamos todos apostos ao redor da mesa onde o pão fatiado e o café recém coado já estavam à espera do manjar da dona da casa.
Nem preciso dizer que era uma das maiores delícias , feito marca registrada degustada naquelas tardes chuvosas.
Havia uma particularidade a mais.Dona Belica, que adorava cantarolar, mexia a frigideira
entoando uma canção que dizia assim:
"Cachito...Cachito...Cachito meu...///Pedaço de céu que Deus me deu..."
Sua voz era doce e de quando em quando, com a colher de pau ela nos convidava a fazer um pequeno coral, respondendo a segunda parte do refrão:
"Pedaço de céu que Deus me deu"
Cantávamos com empolgação entre risos e alegria.
Quando a frigideira chegava à mesa, com apetite de leões, a devorávamos e, de boca cheia, faziámos planos para a proxima chuva que viesse a cair sobre os campos.
Recoloquei o pote na gôndola e fui catalogando as lembranças daquela gente que nunca mais vi.
Lembrei de que nos guardados de minha mãe, havia uma foto de dona Belica, Seu Juvino, Dimas - meu amigo de infância - e as demais moças e meninas daquela grande família.

Com a foto na mão, por instantes retomei o sorriso e a animação de minha mãe, o pequeno pontilhão por onde cruzávamos para alcançar com maior facilidade as nossas moradias.
As abelhas cruzando o riacho na faina de produzir o mel nas poucas colméias em meio às amoreiras e as mulheres "batendo" as roupas em águas muito limpas...
A voz adocicada de Belica cantarolando "Cachito...mio..."
Seu Juvino e meu pai debruçados sobre a cerca de ripas articulando um jeito de montar a fogueira...
Dimas, as meninas e eu, espiando o céu à espera de um proximo toró...
Clic no link abaixo para ouvir a  canção  de  dona  Belica:
https://www.youtube.com/results?search_query=cachito+nat+king+cole