OS ONTEM DE MINHA SAUDADE

Nas minhas tardes infantis, depois do banho e do café com leite com pão e manteiga, eu gostava de ficar sentado na cadeira de balanço colocada na calçada para ver o dia terminar e o sol se por lá pelos carnaubais à distância, perto do rio, dos quais eu via apenas as folhas verdes dançando ao ritmo da brisa insistente. Era-me distração assistir à passagem das pessoas que voltavam do trabalho, dos vizinhos conversando em frente às suas casas ou indo e vindo numa dinâmica que me fazia rir num inexplicável contentamento. Ali, alçando os olhos à vida em movimento, eu acalentava meus sonhos e me via em outras dimensões mais condizentes com meus anseios de menino cheio de fantasia. Estava lá sem estar, pensava e devaneava vislumbrando um amanhã imprevisível. Meus amigos da vizinhança passavam, corriam, brincavam, gritavam agitados enquanto eu me imaginava muitos anos à frente. Eu nascera ali, mas não era lá onde queria ficar, anelava voar mais longe, dar passadas mais largas, ser um pouco mais e melhor do que eu lá era. Minhas tardes eram assim, simples porém sonhadoras, cândidas em meus sorrisos, mas estardalhantes em meu coração. Vezes tantas eu ficava lendo o que estivesse à mão em cima da mesa, do sofá, da estante, em qualquer lugar onde alguém jogasse literatura e esquecesse. Foi assim que conheci La Fontaine, José de Alencar, José Lins do Rego, Raquel de Queiroz, Kant, Dostoievsky, Camilo Castelo Branco, Eça de Queiroz, Fernando Sabino, Revista O Cruzeiro, as revistas em quadrinhos de Zorro, Tarzan, Jim das Selvas, Roy Rogers, Mandrake, Fantasma, as estórias de capa e espada e muitos outras criações literárias que permearam meu mundo e meus anelos. Quando meu pai chegava do trabalho eu o abraçava, tomava a bênção e entrava com ele para o jantar em família. Ah se eu pudesse viver, reviver e tornar palpáveis esses anos idos e transformados apenas em lembranças e saudades.