CUMEEIRA - O CHURRASCO

A construção da casa de meu sobrinho em Brasília, afinal, recebeu a tão esperada cobertura. O telhado foi fechado, telha por telha, com aquele esmero dos bons pedreiros do lugar.

Acredito até que ele foi feito alimentado pela imaginação de cada um, pois sabiam da churrascada que viria depois..... É costume da terra o dono da obra proporcionar um churrasco para os operários da construção assim que se coloca o telhado.

Tinha ficado faltando um pedacinho pequeno e o patrão ia exigir esse pedacinho terminado, mas a turma chiou e marcou-se a festança para o próximo fim de semana.

Foi feito tudo muito rapidamente, pois toda a família do patrão também trabalha formalmente e o tempo é escasso. Mas, com brasileiro sempre se arranja um jeitinho. Todo mundo colaborou. Cortar a carne, temperar, montar os espetos, fazer a maionese, pensar nisso, pensar naquilo, o que falta? Será que já se arrumou tudo? O sábado à noite foi de trabalheira, mas também de muita alegria e expectativa. Só o arroz ficou por conta de um dos pedreiros, acostumado a fazer a bóia no canteiro de obras.

Juntar tudo isso naquela manhã de domingo, acondicionar na carretinha, sem esquecer de nada, foi um corre-corre. As duas churrasqueiras foram as primeiras a entrar na carreta. Toalha, panos de prato, o álcool, a cerveja gelada. O trabalho maior foi carregar as coisas pesadas. O patrão ficou descadeirado! Mas valia a pena.

- Precisamos levar pratos e talheres, lá na obra não tem o suficiente!

- Lembrou de pegar as mesinhas dobráveis?

- Vamos levar também as cadeirinhas?

- Olha, vou levar uma travessa grande para ir pondo os espetinhos assados.

- Não esqueça de levar um colherão para a maionese, viu?

Todos se levantaram cedo no domingo, mas parecia que tinha ainda muita coisa para fazer. Numa das andanças pra lá e pra cá, o vento levou uma tampa de um isopor cheio de cerveja. Deu-se um jeito. O isopor foi tampado com jornal.

Afinal, lá fomos todos. No caminho uma amiga ia se encontrar conosco e nos acompanhar, mas, no ponto marcado, ela não estava e a patroa ficou lá esperando por ela. Sorte que há celular. De repente, ela lembrou e ligou para o marido:

- Alô, lembrei da farinha, você comprou?

- Sim, comprei.

Comprou num quiosque à beira do caminho que vai para a obra, pois tinha esquecido, mas comprou.

Chegamos meio tarde. Todo mundo já estava com fome. Vieram todos até ao carro e à carreta para ajudar a descarregar. Eles tinham improvisado bancos com as tábuas da obra e as cobriram de plástico por causa da poeira. Tinham montado também uma mesa grande em cima dos cavaletes dos andaimes. Foi bom, as toalhas cobriram tudo direitinho.

O patrão, muito prestativo, tratou logo de ir acendendo o fogo e com o carvão crepitante, a carne ficou lá assando, gostosa!

Começou a comilança. Que delícia estava tudo! O tempero da carne e da maionese, a loirinha gelada, os refrigerantes, tudo, tudo. Naturalmente, a princípio, talvez devido à fome ou ao encabulamento, reinava um certo silêncio no grupo todo, umas vinte pessoas, dez operários, a família do patrão, a engenheira, o arquiteto e uns dois ou três amigos. Não precisava mais.

Aos poucos, foram todos acalmando a fome e a sede e mais um pouco, saíram algumas pessoas e restou a família e a turma da obra. Aí começou realmente a festa.

Formaram uma roda e enquanto se beliscava ainda o espetinho gostoso e a cerveja gelada corria solta, as estórias foram aparecendo e as gargalhadas brotando espontâneas.

Começaram caçoando de um deles, que seria mais velho do que aparentava, por causa dos pés de galinha em volta dos olhos. Aliás, pés de galinha, não: era mesmo um galinheiro inteiro. Essa palhaçada durou um tempão...

Contaram de um tucunaré que tinha no lago e que pesava uns 600k. Cada rabada que ele dava, levantava tanta água que os aviões que decolavam no aeroporto lá perto, ficavam com a parte de baixo molhada! Os pilotos estranhavam aquela chuva vinda de baixo pra cima!

E aquela sucuri, então? Era tão grande e tão velha, que o couro já era blindado, nada podia penetrar seu corpo! Nem bala de revolver...

A história do fusquinha do Zé da Gorda, foi demais! Vou fazer uma crônica só para ele!

Alguém contou que na sua terra, os peixes-elétricos eram tantos e tão grandes, que a cidade os usava para economizar energia e assim, não teriam o temido apagão!

O outro morava num lugar tão alto, mas tão alto, que tinha que subir de quatro, segurando no chão, se não, caía pra trás de costas!

Cada estória contada, era cheia de detalhes, inventavam sempre mais variações sobre o mesmo tema e riam, riam muito, gargalhadas espontâneas, ruidosas, felizes....

Apareceu um caso de um cachorro que era tão valente, que andava armado e quando a carrocinha quis apanhá-lo, ele chamou o condutor para um duelo, pois não se entregaria facilmente! Por fim, pegaram no pé do cozinheiro, dizendo que do frango ele aproveitava tudo, até as unhas.

Foi demais. Fiz parte da roda dos homens, escutando toda essa lorota, tantos “causos” engraçados, participando daquela alegria, daquela camaradagem, daquela certeza de que se podia sorrir pois afinal o dever estava cumprido. Eles todos se sentiram importantes, pois o patrão ficou o tempo todo assando, servindo-os, preocupando-se com eles.

Fizeram sorteio para ganharem prendas. Depois vieram os discursos, de agradecimento, de satisfação pela obra, de reconhecimento pelas atitudes de cada um, face àquele trabalho tão pesado. Falou a patroa, falou o patrão. Palmas, risos e alegria. Tinha gente já meio “tocada” , mas ninguém saiu do sério. Houve promessa de mais churrasco, quando terminassem tal ou qual etapa. Prometi até fazer o vinagrete e uma outra senhora, a sobremesa, com a promessa também de mais casos exagerados e engraçados.

Olha, foi um churrasco de cumeeira como nunca tinha tido notícia antes! A volta pra casa foi meio quieta, afinal o cansaço pegara a todos, mas de vez em quando, a gente lembrava de alguma coisa e começava a rir de novo.....

O patrão, esse já 'tava dormitando pelo caminho mesmo....

Rachel dos Santos Dias
Enviado por Rachel dos Santos Dias em 03/11/2007
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