Fênix
“– Me dá uma moeda, um pão, uma coisa pra comer senhora…”
“- Moça, compra uma caixa de bala pra eu trabalhar…”
“- Por favor senhor, compra um leite pro meu filho que tá em casa com fome…”
Passo eu, passa o outro, atrás de mim, e mais outro, e mais duas senhoras bem vestidas, cheias de sacolas de boutiques, óculos escuros grandes, tão grandes como os saltos dos sapatos que usam. E ficam ali paradas à espera de algo à poucos metros do pedinte que, sem elas perceberem, estava se aproximando. Ele aparentava seus trinta anos, bem moreno e desgrenhado.
“- Senhoras, com licença, podem me ajudar com alguma coisa? um dinheiro, uma moeda, pagar um café…”
Elas olham para o homem num misto de sobressalto, nojo e desdém:
” – Ai, isso agora é assim! Esses pedintes estão agora por todo o lado, parecem pragas! Não querem trabalhar, só querem ganhar as coisas de graça!” – e Silvia levanta o nariz e vira a cara para o outro lado, enquanto responde ao rapaz:. ” – Não, não tenho nada” – em seguida vira-se para a amiga, como se o rapaz não existisse: ” – Vai ver se quer trabalhar, hum, nem pensar.”
– Eu quero senhora! Me arranja um? tenho ensino médio, só não fiz faculdade” diz o rapaz, cabelos desgrenhados num dread bem ‘dirty’ .
” – Não estou falando contigo, rapaz. Não se aproxime. Aposto que é drogado. Vê se te afasta”, – responde Silvia indignada. ” – era só o que faltava.. E esse motorista que não chega. Foi buscar o carro onde? no Japão?”
– Com certeza é drogado ou maluco.” acrescenta Claudia, a amiga ao seu lado e que nem sequer olha para o rapaz. “- Silvia, se eu fosse você mandava esse motorista embora, onde já se viu? Já estamos há mais de um século esperando” .
“– Também sei dirigir senhora. Posso ser seu motorista.” falando com Silvia.
“- Mas olha só! Onde já se viu?! Ainda vem se intrometer na conversa. Deus, onde vai parar esse mundo?! essa gente suja fica impregnando até ganhar um dinheiro! Olha, se você não se afastar, vou chamar a polícia!” – e Silvia pega o celular.
” To sujo sim, mas minha ficha é limpa senhora.”
– Deixa a gente em paz!” e nesse meio tempo, alguém atende do outro lado da linha. “ – João, onde raios você se meteu?”. É que Silvia estava ligando para o motorista.
“- Estou à caminho senhora, é que peguei um engarrafamento, mas estou chegando” . Mentira. João engoliu o último bocado de pão e só agora ligou o carro “- Peruas! Não podem esperar um segundo. Nem o café da manhã pude tomar ainda! “
” – Não to fazendo nada, senhora. Não quero dinheiro. Quero trabalhar.
” – Não! Você quer é dinheiro pra comprar cachaça!” responde Silvia logo de cara, vendo ao longe o seu carro se aproximando e o motorista piscando os faróis. Se sentindo mais seguras, as duas amigas começam a se entreolhar e com um sorriso sarcástico pactuam em pensamento. Claudia saca um cartão da sua bolsa e dá para o rapaz:
” – Olha, está bem. Apareça amanhã no escritório do meu marido, leve seu currículo e venha bem vestido, pontualmente às 10h. O endereço está aí” e ainda arremata: ” É uns quarenta minutos daqui, de carro” e sorri entrando logo à seguir Silvia dentro da Mercedes, vitoriosas.
O rapaz pega o cartão e fica olhando para aquilo em silêncio.
” – Claudia, tem um sujeito aqui no escritório, chegou às 10h trazendo um cartão da empresa, disse que você prometeu um emprego para ele. Que negócio é esse? Quem é esse cara? tá aqui com uma roupa que com certeza não é dele e me trouxe um currículo. Parece que perdeu o emprego recentemente e foi despejado do apartamento… Você por acaso virou irmã Dulce?”
Claudia lembrou do pedinte.” – Arranja um trabalho qualquer para ele. Depois te explico”
Hoje, Wanderley de Castro, o pedinte, em apenas dois anos ‘de casa’ é o melhor gerente daquela companhia.
Não desdenhem a força dos que verdadeiramente lutam.
Dos que efetivamente nunca receberam nada de graça.
Essas são as aves raras,
Fênix.
Kawer, 25/03/2021