O feminino e o dilema da beleza

No romance – A Identidade - do escritor Checo, Milan Kundera, sua heroína se vê em uma crise de meia idade preocupada com o seu corpo. A heroína – Chantal – percebe que seu corpo não atrai mais os olhares dos homens. Mesmo vivendo um relacionamento feliz Chantal sente o desconforto de saber que seu corpo não desperta nenhum interesse aos olhos de outros homens. O romance começa com a observação da heroína de que os homens não viram mais o rosto para olhá-la. Milan Kundera neste romance faz uma provocação sobre o modo como a mulher constrói a própria identidade erótica do seu corpo. Embora a heroína deste romance seja amada e desejada pelo seu amante – seu marido Jean-Marc – ela deseja que seu corpo também tenha a aprovação do olhar de um estranho; precisa da aprovação do olhar do outro para se sentir bem com seu próprio corpo. O autor deste romance faz uma incursão delicada e forte sobre a intimidade do imaginário feminino em relação ao seu corpo. A problemática ficcional da heroína deste romance me permite pensar de que modo na vida real, o cotidiano atual da mulher brasileira não vem sendo afetado por essa busca de um corpo que venha satisfazer o olhar do outro. A historiadora Mary Del Priore diz que “em uma sociedade de consumo, a estética aparece como motor do bom desenvolvimento da existência. A feiura é vivida como um drama. Daí a multiplicação de fábricas de “beleza”, cujo pior fruto é a clínica de cirurgia plástica milagrosa. Os pagamentos a perder de vista parecem garantir, graças a próteses, a constituição de um novo corpo: formal, mecânico, teatral”. Fora deste teatro estético feminino, a velhice natural e inevitável se transforma em algo vergonhoso, repugnante: a rejeição social. Os cabelos brancos ou qualquer sinal de flacidez do corpo passa a ser não uma escolha, mas desleixo do indivíduo ou uma velhice vergonhosa e desprestigiada. Mais uma vez, diz a historiadora, “a tirania da perfeição física empurrou a mulher não para a busca de uma identidade, mas de uma identificação”. A maturidade e a velhice feminina parecem ser sinônimas de invisibilidade tal qual a personagem ficcional de Kundera. A liberdade da mulher no espaço público seja no que diz respeito ao seu comprometimento como o trabalho profissional, político e intelectual não fez declinar de modo algum às preocupações com a estética do corpo. É presente o investimento de energia que o feminino concentra nesta busca de um corpo ideal bem distante do seu corpo real. Ser bem-sucedida economicamente não diminuiu em nada a preocupação da mulher com sua beleza, tal sucesso parece impulsioná-la mais ainda a buscar um projeto de beleza bem distante de sua realidade. Estamos diante de um dilema que as ciências humanas e a literatura vêm contribuindo para a problematização, mas sem nenhuma solução a vista. É importante lembrar que a heroína da ficção de Kundera – Chantal – não ficou de maneira alguma satisfeita ao descobrir que o homem que lhe enviava cartas anônimas, cheia de elogios e desejos à ela, era seu próprio marido que viu nesta artimanha um modo de acalentar seu drama de mulher. Não funcionou!

Wander Caires
Enviado por Wander Caires em 23/03/2021
Código do texto: T7214263
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