Quando ainda namorávamos
Eu tive um namorado.
Conhecemo-nos num mês de junho, no “Dia dos Namorados” ...
e nos casamos num mês de maio, mês das noivas...
mês da fé em Nossa Senhora e sua mística rosa...
Era tudo tão redondinho... aquele pontinho mágico rolando,
rolando dos lábios para a ponta da língua quando nos beijávamos...
E o que dizer do brilho dos olhos? — guardávamos escondidos nas retinas, protegidos por detrás das pálpebras descidas...
Quando, ainda namorávamos...
Não que nos deixamos de namorar depois de casados,
namorávamos sempre que podíamos...,
e não falo de fazer amor, falo de namorar mesmo, pegar nas mãos...
um beijo na parte interna do pulso, depois, penteava-me os cabelos com os dedos...
trançava-os, e acariciava-os com o rosto.
Ele era alto, e dentro de um abraço, meu ouvido ficava na altura do coração ouvindo o ritmo cadenciado: um sim, um não, um sim, um não...
Quando ainda namorávamos...
Nossa primeira chuva chegou numa a noite de sábado, na saída do cinema e não tínhamos carro.
Meus sapatos de salto alto ficaram tão elegantes nas mãos dele...
Sempre que falávamos da nossa primeira chuva, ríamos muito...
dos sapatos molhados... enrugados... nas mãos dele...
Sempre que nos lembrávamos, ele falava:
— Eram os seus pés que tornavam elegantes os seus sapatos!
Elegante mesmo eram as mãos dele segurando os sapatos.
Os dele, também, ficaram molhados... e seus pés contrastavam com os meus...
tão brancos e descalços mergulhados no filete da água descendo junto à calçada...
Quando ainda namorávamos...
Já faz tempo, mas eu me lembro da maciez e do cheiro do seu lenço
que em vão, tentava enxugar meu rosto que pingava... — como pinga agora...
E seu riso ainda ecoa em meus ouvidos todos os dias que têm chovido...
E o “Dia dos Namorados” traz seu rosto desenhado na memória...
das tardes de beleza ímpar que sua ausência levou embora.
Só não levou a lembrança do som da sua risada que foi se desfazendo...
Assim que viu meus seios colados na transparência da blusa molhada...
Quando ainda namorávamos...