SE IO SONO BURRO, VOCÊ É MANTEIGA..!

Meu pai contava histórias e mais histórias das trapalhadas que seus primos italianos faziam com a língua portuguesa. A gente morria de rir, mesmo porque nos enxergávamos simplesmente como brasileiros, e por essa razão todos os contatos que tínhamos com crianças oriundas da Itália restavam sempre repletos de curiosidade e estranhamento.

Uma das histórias que mais me fazia rir – e ainda faz - era a do primo Toni, que chegou da Itália com cerca de doze anos e veio morar em Santa Felicidade, conhecidíssimo e badalado reduto italiano da cidade de Curitiba. Logo se enturmou com a primarada brasileira, que naquela época não somente brincava e estudava, mas também ajudava os adultos nos afazeres domésticos e profissionais. Quem o recebeu aqui no Brasil foi o zio Afonso (Scorsin, se não estou equivocado), hospedando-o em sua casa com todo carinho e cuidado, e auxiliando-o no aprendizado do idioma português, que diga-se de passagem, não é nada fácil.

Um belo dia, pediu a ele que o ajudasse na afiação de um facão. Naquela época as facas, tesouras e ferramentas eram afiadas em casa mesmo, com auxílio de uma pedra redonda chamada rebolo, que possuía diâmetro de 20 cm e espessura de mais ou menos 8 cm - creio que alguns dos prezados leitores já manusearam ou pelo menos, viram um desses. Fixado sobre um cavalete de madeira, o rebolo era colocado em movimento através de uma manivela manual impulsionada por uma pessoa, enquanto outra deslizava firmemente a lâmina da ferramenta sobre a superfície girante do rebolo.

Muito bem, enquanto o Zio segurava o facão, o Toni exibia toda sua força braçal no giro da manivela, fazendo questão de mostrar que um giovanetto italiano era tão ou mais forte do que qualquer fedelho brasiliano.

Quando percebeu que o fio do facão já fora recuperado, zio Afonso ordenou em bom português (mas com sotaque): _”Parra Toni”! Mas o Toni não parou, ao contrário, aumentou a velocidade de giro. _”Parra Toni, parra Toni..!!!, repetiu ele. E o Toni aumentava cada vez mais a velocidade, suando às bicas para tanto. _”Parra Toni, io ho detto, porca la miseria..!!!, berrou zio Afonso. Então o Toni jogou tudo longe, indignado, e exclamou pra lá de brabo:_”Ma tô parrando, tô parrando eu..! Hehehehe, não sei que dialeto italiano ele falava, no qual a palavra ‘parrare’ significa ‘vá mais forte, gire mais rápido’. Aquilo que no português era uma ordem pra ‘parar’ - era o que o Zio queria que o Toni fizesse - no dialeto do primo Tony era um pedido pra aumentar a rotação... hehehehehehehe!

Outra boa história ocorreu com o conhecido e estimado dentista Firmino de Boni, que na fase profissional estabeleceu por prolongados anos o seu consultório no Largo da Ordem. Quando ele chegou da Itália, ainda criança, foi convidado pela piazada do Alto do São Francisco pra participar de uma ‘pelada’, nas proximidades da Sociedade Garibaldi. Só que um marmanjão resolveu pegar no pé do Firmino, e a cada jogada que ele fazia, o dito cujo berrava:_”Não faça assim seu burro!”, ou então: _“Passe logo essa bola, seu burro!”. O Firmino não conhecia quase nada da língua portuguesa, mas sem dúvida corria nele o bom sangue italiano, e aquilo foi o irritando cada vez mais, mesmo porque não estava entendendo a razão do marmanjo chamá-lo tanto de “burro”, que em italiano quer dizer “manteiga”. Chegou uma hora que ele não aguentou mais e perdeu a estribeira, retrucando muito brabo:

_”Se io sono burro, você é manteiga..!”. E se colocou de punhos cerrados para o que desse e viesse.

(Marco Esmanhotto)