INTERNET: A PROFETISA DESSA GERAÇÃO

Discutir sobre os malefícios e benefícios da internet é um hobby internacional. Todos os dias milhares de pessoas formulam sua hipótese: seria a internet uma vilã implacável ou a heroína do conhecimento?

Entre um extremo e outro, apenas uma pergunta deveria desencadear uma discussão que não fosse igual a todas as outras: do ponto de vista filosófico, por que tantas pessoas temem a internet? Ela não é o primeiro grande marco da história de nossa raça; a agricultura, os antibióticos e a energia elétrica, todos eles foram cruciais para nossa existência, embora nenhum sofra com tanta desconfiança quanto a rede cibernética.

Desde pequenos somos apresentados a direitos e deveres que nos tornam passíveis de viver em sociedade, mesmo que cada cabeça pese a sua própria sentença. Diante disso, o direito à liberdade de expressão e o dever de respeitar as opiniões distintas das suas, são os grandes destaques do ambiente virtual; pois, enquanto no cotidiano real, em um dia normal, trocamos ideias com um número diminuto de pessoas e depreendemos com uma certa atenção uma dezena de notícias, no mundo virtual, a troca de ideias atinge um enorme contingente de pessoas e as notícias se amontoam de tal forma que uma mente comum jamais seria capaz de analisar todas antes de repassá-las.

Assim, em um ambiente jovem e com leis embaraçosas, ficamos a mercê da nossa própria consciência e destinamos ao nosso arbítrio a tarefa de decidir se respeitaremos esse direito e cumpriremos esse dever. A desconfiança cresce ainda mais quando se pensa que o próprio arbítrio encontra-se confuso; imaginamos, então, que pessoas de "caráter duvidoso" têm uma oportunidade ainda mais ampla de cometer seus atos criminosos contra um número maior de vítimas.

Entretanto, reféns dessa desconfiança e medo abrupto, lançamos na internet o escárnio da desonra de uma vilã, quando sabemos que nenhum país se estruturaria, agora, sem essa acessibilidade, que rege não somente os fluxos da economia, mas os trabalhos e informações pessoais de uma parte gigantesca da população.

Não se pode esquecer que mesmo com a desigualdade existente, que acaba impedindo uma parte da sociedade de usufruir das vantagens da fibra óptica e de um teclado virtual, esses aparelhos que, por vezes, cabem na palma da mão são galerias, enciclopédias, calculadoras e bibliotecas que funcionam 24 horas e de qualquer lugar com conexão via satélite.

A internet conseguiu o que jamais tinha sido visto na história da humanidade: unir ambientes históricos em uma única estrutura. A Ágora grega- berço da democracia e local para o diálogo em prol do desenvolvimento- é, hoje, como um fórum de debates, acessível até mesmo para um adolescente de 15 anos, ampliando de forma incontável o direito à cidadania, antes tão excepcional.

O Coliseu Romano- hobby sanguinário de milhões, onde gladiadores perdiam suas vidas em lutas mortais com feras- é como uma discussão entre pessoas de pontos de vista distintos, onde o antigo público alimentado pela política do Pão e Circo, ainda é, na atualidade, sedento por embates fervorosos. Um hobby que mesmo não sendo sanguinário, permanece irracional.

Somos tão inquisidores quanto a Igreja Católica; mesmo não possuindo uma lista proibida de livros, censuramos sutilmente opiniões que consideramos impróprias e, com a Cultura do Cancelamento, não queimamos seus portadores, mas deletamos sua validade opinativa. Agora, esse cancelado, bem como o herege, é punido em todos os seus discursos, mesmo que seu erro esteja em somente um.

Somos também a resistência que popularizou a Primavera Árabe. Mensagens e hastags são levantadas a todo vapor para que se faça valer o nosso poder de cidadãos e, através do ciberespaço, levamos nossa mensagem a todos os nossos líderes.

A internet é o que fazemos dela! Ela é a nossa força de combate, mesmo que por vezes seja tida como uma aliada do mal. Ela é o ponto máximo do último século de evolução.

Se, como disse Nelson Rodrigues, "só os profetas enxergam o óbvio", a internet seria a maior dentre todos os nossos profetas. Nela, toda as profecias cumpridas vagam em parágrafos históricos e as tecnologias futuras navegam em linhas de algoritmos para que num tempo vindouro possam surgir.

Ela é o porto da nossa sagacidade e o disco rígido da nossa atual existência. Torna-se ousado e narcisista de nossa parte imaginar um mundo globalizado como esse que habitamos sem nosso inseparável oráculo que para tudo tem milhões de resultados portando respostas e alguns vírus, é claro.

Ela é um ambiente novo e o nascimento de um futuro distante que não posso garantir que alguém da nossa geração assistirá. Mas, ainda assim, lembrar-se-emos com carinho ou escárnio do dia que alguém pensou em digitalizar nossas vidas.