Histórias de cemitério
O cemitério de Acesita também apresenta sinais dos tempos. Além dos túmulos de nossos entes queridos que agora estão em outro plano de suas existências (desculpem-me, mas eu acredito nisso) ele, que antes ficava no Bairro Arataca, no que podemos chamar de “fim da cidade”, hoje, por obras de engenharia que atenderam as necessi-dades atuais, está na porta de entrada da cidade (Acesita, para mim, sempre foi cida-de, pois o CEP de Acesita era – ou ainda é – 35.180-000).
Minha história com o cemitério do Arataca, ou cemitério de Acesita, começou muito cedo, pois meu pai, homem muito religioso, sempre me levava em suas visitas men-sais ao túmulo de meu avô paterno, Alfredo Sampaio Filho, vovô Lelé, falecido em 1964. Portanto, desde os oito anos tive certa intimidade com aquele espaço. Enquanto meu pai limpava o túmulo do meu avô, eu andava entremeio os outros, numa curiosi-dade danada, ora para ler e entender os sobrenomes estrangeiros que estavam nas sepulturas desses pioneiros, ora intrigado com o fato de existirem cruzes com um e com dois braços, ora para entender o porquê de, em vez da cruz, havia uma estrela em alguns túmulos.
Em 2007 foi a vez de sepultar meu pai. Depois de 78 anos, ele descansou num dia de julho, que nunca lembro se foi 24 ou 25. Pouco importa, ele descansou depois de muita luta com as mais diversas enfermidades. Minha mãe, alguns anos depois, mandou que construíssem um túmulo bem bonito. Nele, tem uma foto do meu pai sorrindo; não sei se é impressão minha, mas ele sorri para mim toda vez que eu faço uma visita ao “condomínio” onde ele agora reside: nesse túmulo foram sepultados meu avô Lelé, tio Marcelo, tio Moacyr, meu pai, meu primo Geraldo (filho do tio Marcelo) e minha tia Lourdes (esposa do tio Marcelo e mãe do Geraldo). Todos estão juntos e isso é bom.
Resido em Vitória/ES há quarenta anos. Sempre que vou a Acesita, passo pelo cemité-rio, faço uma visita ao túmulo do meu pai e sigo para a casa da minha mãe. Na volta, faço a mesma coisa. Nessas visitas, sempre ando pelas ruas apertadas do cemitério, tal como fazia quando criança. Numa dessas voltas, tomei um susto ao perceber que, andando pelo cemitério, eu me encontrava com mais pessoas conhecidas sepultadas ali do que quando ando pelas cidades do Vale do Aço, em especial por Acesita. Nomes e fisionomias que ainda estão vivas nas minhas lembranças agora jazem ali, junto com os meus.
Entretanto, isso não é coisa de se assustar. Minha geração agora pertence ao grupo dos idosos. Já vivemos mais de sessenta anos e, nessa trajetória, os mais velhos que nós vão completando o ciclo da vida. Não sei se acontece com todas as pessoas, mas a Acesita das minhas memórias é atemporal, mesmo sabendo que mudaram tudo, mu-daram as coisas de lugar, extinguiram outras, pessoas morreram, a cidade em que nasci pulsa viva dentro de mim. Os que comigo convivem são impacientes, dizem que conto muita história, faço muito rodeio para chegar ao ponto, sou pouco objetivo e que converso e ajo muito devagar.
Explico: sou mineiro e a gente não escolhe ser mineiro. Mineiro nasce ouvindo casos, aprende a falar devagar, age lentamente (não sabemos o que nos espera do outro lado do morro). Mineiro é, antes de tudo, origem, história, antepassados, lutas, revo-luções ouro e ferro e, caldeando tudo isso, uma alma sentimental, disfarçada com uma cara de poucos amigos e de pouca conversa. Não adianta tentar entender essa dinâmica: ser mineiro não é escolha, é privilégio.
Comecei a conversa falando de cemitério e depois terminei falando de como é ser mineiro. Mineiro é, antes de tudo, tradição. Os cemitérios guardam os restos daqueles que um dia foram os homens e as mulheres que construíram o lugar onde viveram. Por isso, despeço-me dos meus amigos que descansam em paz no Cemitério da Arata-ca com uma “até breve”, pois um dia, eu também serei apenas uma lembrança (boa ou ruim) nas memórias daqueles que por ali passarem, pois quero descansar para sempre junto dos meus...