ATIVIDADE ESSENCIAL

       Atualmente, com os “lockdowns” determinados pelas autoridades, abre-se uma discussão sobre o que é serviço essencial. Excetuando os trabalhos correlacionados à saúde, onde ninguém duvida da sua essencialidade, os demais setores entram no debate nacional. Afinal, o que é essencial para uns não é para outros.

        Tem uma historinha até bem conhecida e, apesar de marota, é apropriada para o caso.

        Dizem que certa vez os órgãos do corpo começaram a brigar entre si. Cada um julgava a sua função mais importante do que a do outro. O cérebro foi primeiro a se manifestar. Deu uma porrada na mesa e proclamou-se o chefe e o responsável pelo desempenho do grupo. Dele, partiam os comandos e, quando ele morria, o corpo também morria.

       O coração discordou. Afirmou que, diferente do que muitos imaginavam, ele não servia apenas para as pessoas se apaixonarem. Ele era o motor do corpo, o sinônimo da energia. Seus batimentos irrigavam e levavam vida a todas as extremidades. Quando parava, os restantes dos órgãos igualmente paravam. Os pulmões, sentindo-se menosprezados, em coro, registraram o seu protesto, alegando que sem o ar a vida sucumbiria em questão de minutos.

       Aí virou uma briga generalizada. Parecia um daqueles bate-bocas que costumeiramente nos deparamos nos grupos de whatsapp. O estômago, os rins, o intestino e o fígado contestaram, querendo expor a sua grandeza. Cada um queria provar a sua superioridade, como se o ser humano dependesse exclusivamente dele.

      De repente, alguém que estava quieto no seu canto, sentado lá em baixo, pediu a palavra. O ânus, popularmente conhecido como cu (desculpem se estou sendo um pouco chulo, mas não há outra forma de contar esse causo), disse que ele também era relevante. Alegou que estava encarregado de retirar toda a sujeira da casa, permitindo que todos trabalhassem asseadamente.  Portanto, exigia reconhecimento e respeito dos colegas.

      Zombaria ensurdecedora. Risos de escárnio. Gozação geral. Ora, o mais desprezível dos órgãos se achando o admirável.

      O cu se ofendeu. Tentou se defender, mas, à medida que sustentava sua tese, o achincalhe aumentava. No meio do cúmulo do deboche, gritou em alto e bom som que abandonaria o serviço. Ficaria em casa. Entraria em “lockdown”. E realmente parou de trabalhar. Emburrado, cruzou os braços, ou melhor, cruzou as pregas.

     Passados alguns dias, a prisão de ventre foi chegando devagarzinho e acabou sendo a rainha da festa. E as consequências vieram juntas: o intestino não conseguia guardar tanta porcaria; a barriga estufou pela formação de gases; cólicas e desconforto abdominal surgiram; erupções e espinhas detonaram a pele. Além do mais a dor de cabeça, o mal-estar, a irritabilidade e a fadiga maltratavam o corpo. E, no meio da imundície, quem se achava importante, por ora, tinha dificuldade em cumprir suas tarefas.

    Ao final de duas semanas, a situação ficou insustentável. Aqueles que antes debochavam agora estavam extenuados, arriados. Então, após uma rápida reunião, chegaram a um consenso. Decidiram procurar o cu. Humildemente pediram desculpas, dizendo que eles entendiam a importância de cada um na função que desempenhava. À custa de sofrimento, concluíram que o serviço prestado pelo companheiro era indispensável. Depois que as desculpas foram devidamente aceitas, fizeram as pazes. Em seguida, todos voltaram ao trabalho e a vida, à normalidade.  

      Moral da história:

Dentro de uma sociedade, todas as atividades são essenciais