Crônica do Coveiro

Crônica do coveiro

No último sábado eu fiz um enterro de um rapaz jovem de boa aparência, um dia normal para qualquer coveiro, fui chamado em pleno sábado na minha folga, o meu ajudante não estava em condições de fazer aquele trabalho naquele dia, perguntei onde seria e fiz o buraco no mesmo lugar do parente do como sempre, que é de costume e tradição da região, não perguntei quem era, que mal tinha acontecido daquele moço que eu iria fazer o enterro. Iniciar o trabalho de cavar aquele espaço ocupado pelo seu pai, que estava morto a alguns anos atrás.

Na estrada do cemitério como alvejado com uma salva palmas, em forma de adeus, não saiu de minha mente aquele velório, a imagem ficou cravada ao ver ele ali no chão dentro daquela caixa de madeira e com um palito, e com flores brancas, imaginei o quanto de sonhos estava ceifado para eternidade, quantos projetos tinha pela frente, ao ver sua mãe em prantos me coração se partiu, aquele choro impiedoso que sai de seu coração, mas como profissional fui frio por fora e dei o desfecho esperado por todos naquele momento, coloquei dentro da cova e de pá em pá foram enchendo aquele buraco antes vazio, fazendo o serviço inverso anteriormente para cavar, e por dentro eu estava os cacos, meu corpo se arrepiou aflorado as emoções por presenciar todo aquele evento.

Por fora somente o silêncio da profissão que me cabia, não é porque fazemos todos os dias o mesmo trabalho que estamos acostumado a ver a dor humana, e não se compadecer, eu tinha sofrido um acidente ao qual sai vivo por milagre do divino, e me coloquei dentro do caixão da minha mente, pensei poderia ser eu, trabalhar com a única coisa certa neste mundo, é lidar com a intimidade alheia, o afeto de pessoas mesmo que desconhecidas e perturbador, o sentir da perca, a vulnerabilidade humana, não é fácil ver alguém chorando, sofrendo por um ente querido e não se comover.

Na minha profissão não existe lugar para erros, mais exite lugar para empatia, para compaixão, não sou cruel em fazer meu trabalho, até seria, se assim fosse se tivesse prazer, em o fazê-lo, não posso dizer que amo o que faço, porque perderia meus sentimentos, faço porque alguém precisa que seja feito, com muito zelo e respeito.

Minha profissão ao qual eu tenho respeito mesmo que os outros não tenham, e lidar com angustia e dor e se manter firme como pedra, ser silencioso na entrada e na saída, e manter-se inerte diante de tudo, e ser cauteloso, e acima de tudo não temer a morte.

Coveiro e arte de sonegar os sentimentos naquele momento, e por dentro sua alma estremecer com o sofrimento das pessoas, já fiz vários enterros e nunca me acostumo, inclusive de pessoas que eram amigos(as) que tive o privilégio de dividir as páginas de minha história, ver o sofrimento de pessoas que convivo diariamente pela perca de ente querido, naquele instante é estarrecedor, nos tirar o chão ao qual pisamos, nos força a mente e o coração, é um trabalho árduo no seu cunho emocional.

Não é ser frio é ser profissional, mesmo que por dentro lhe corroa a dor.

Thiago Sotthero
Enviado por Thiago Sotthero em 18/03/2021
Código do texto: T7210342
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