Copenhague Zero Grau - É preciso construir mais autoestradas
Primeiro, o Homem, depois a Máquina. Sempre pensava isso, as vezes até me dizia, enquanto me safava entre as batalhas diárias contra os automóveis de Belo Horizonte. Era uma ousadia sequer pensar naquilo. Qual chofer de táxi iria concordar? Qual motorista de ônibus ou particular iria acenar que sim, enquanto rolando sua pressa nas terríveis máquinas automóveis da Capital? Era ousadia, muita ousadia mesmo. Afinal de contas, o pedestre só serve mesmo pra atrapalhar o trânsito, morrer na contramão. Já pensou se varressem do perímetro urbano as faixas de segurança e os sinais vermelhos, para nós motoristas?
Já pensou se tudo ficasse verde para nós, choferes, motoristas e condutores? A quantas não poderíamos andar? Duzentos por hora, uma marca simpática, não? Em quantos segundos iríamos da Serra à Rodoviária, pela Afonso Pena? Isso. Fazer da Afonso Pena uma autoestrada. Free way, yes, let's free the ways. Os pedestres seriam isolados em leprosários ou similares, com todo o conforto, pra não reclamarem. Pão e circo aos estúpidos, mas não nas ruas, que temos pressa.
Vindo do alto da Serra, atravessando a Afonso Pena, a duzentos, trezentos por hora, isso é que é viver. Temos sempre coisa parafazer, não podemos esperar sinais. E precisamos de muitas buzinas, dai-nos mais buzinas, que o silêncio é insuportável, Pai do Céu. E motores roncando além dos decibéis já conhecidos, isso é ter o Eden. Faça-se um viaduto direto à Antônio Carlos, sem barreiras, sem curvas, sempre reto, direto à Pampulha, a Brasília, pista livre em túnel furando os Andes, em volta do mundo, ao Infinito, à Última Galáxia...
(Diz-se que...
Diz-se que num pequeno e atrasado país, por nome Dinamarca, os pedestres vêm em primeiro lugar. Depois as bicicletas e veículos de quatro rodas, depois os ônibus, carros, caminhões. Lá os sinais de trânsito são respeitados. Vamos por partes: o vermelho significa pare, o amarelo espere, o verde avance... As faixas brancas riscadas no chão dão direito ao infeliz que se locomove à base arroz-com-feijão de atravessar a rua, sem remorsos por estar atrasando o trânsito. O atraso é desse tal povo, é claro. É porque é gente fria, sangue de barata. Não sabem viver, não gostam de festa. Já pensou ler jornal e não ver página de atropelamento? Não tem graça nenhuma, atraso deles. Que país mais chato!)
(Copenhague, 19/07/79)