CADÊ A COERÊNCIA?

Será que sou ranzinza por que tenho a mania de exigir coerência?
Não é que eu fique dizendo na cara desse ou daquele, chamando de incoerente, mas ponho meu reparo e internamente não deixo de julgar.
Trabalhei vinte e cinco anos na justiça, participei auxiliando em inúmeros julgamentos, intimei réus perigosos dentro das favelas na cidade grande.
Era rotina quase semanal fazer intimação na porta da cela, dentro dos presídios.
Atuei tanto na área cívil quanto na criminal.
Convivi nesse período com muitas pessoas, muitas que não iam com a minha cara e muitas que eu não tinha nenhuma simpatia.
Fui amigo de alguns que eram renegados, porque eu não alimentava os preconceitos que era evidente na maioria.
Tenho certeza que o humor não foi mais tão bom depois que me aposentei, pois acho que as minhas brincadeiras ou piadas não foram substituídas por ninguém.
Fiquei aborrecido algumas vezes, diverti-me muito em outras vezes.
Exercitar a compreensão talvez tenha sido uma das coisas que mais fiz naquele período.
Fui vítima da mentira, da falsidade e até da violência levei esbarrões.
Valeu muito a pena, faria tudo de novo.
Como comecei falando da incoerência e ela parece que não sai de moda nunca, vou destacar só um fato do qual não me esqueço.
Era muito comum, corriqueiro mesmo, os comentários que as pessoas faziam em relação aos réus nos processos criminais.
Elas trabalhavam no meio, conheciam as leis, não argumentavam sobre elas, mas questionavam algumas decisões do juiz quando, cumprindo a lei, concedia liberdade a um réu de algum processo de destaque. “Como pode soltar esse fulano, devia deixar ele apodrecer na cadeia”. Parecia ladainha, as frases sempre se repetindo. Repetindo até que teve uma audiência em que poderia ser libertado o réu, que junto com um outro, numa madrugada, em altíssima velocidade, causaram uma tragédia com vítimas fatais.
Ele era filho de uma Sra. Conhecida e muito respeitada na cidade. Tinha boa situação financeira.
Antes da audiência, enquanto familiares das vítimas resmungavam nas redondezas, antevendo a liberação do réu, a frase que se ouvia lá dentro era: “Tem que soltar, é gente boa, filho da Dona… muito gente fina”.
Vou continuar esperando coerência das pessoas, será que é perda de tempo?
JV do Lago
Enviado por JV do Lago em 17/03/2021
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