O mais sábio da segunda série

O ano era 2002 e eu, criança, estava em plena segunda série. O auge da semana eram as sextas-feiras, dia de visitar a sala de vídeo, coisa extraordinária. Na verdade, não eram só os VHS's da Disney, experiência onírica pura, que me impressionavam; boas histórias, aquelas contadas pelos confrades catarrentos, me deixavam boquiaberto também. Um dia, meu melhor amigo, um rapazinho alto e gordo, que era de uma família mui religiosa, confidenciou-me: "Vitor, sabia que se você ler a Bíblia inteirinha, você vai ficar sábio?". Era comum eu o flagrar lendo seu Novo Testamento de capa azul, aquele distribuído "gratuitamente" pelos Gideões Internacionais, no recreio ou, às escondidas, na sala de aula, sob a carteira. Meu amiguinho lia a Bíblia com afinco, ele lia bem. Da minha perspectiva de "educando", na equação freireana da educação, aquele meu amigo era a pessoa mais inteligente que eu jamais conhecera. Ele estava bastante adiantado em relação a mim. Ele lia bem. Depois de ouvir sua pergunta, lembro de ter ficado tão impressionado que não pude acreditar assim, tão facilmente, tão passivamente. Eu fiava suas palavras, mas desta vez precisava da confirmação de uma instância superior. "Professora!", gritei, "o Lucas disse que, se eu ler toda a Bíblia, vou ficar sábio, é verdade?". "É, Vitor", ela respondeu, "você vai ficar sabendo de tudo o que está escrito aí". Era sexta-feira, ainda não tínhamos saído para a sala de vídeo.

Vitor Marcolin
Enviado por Vitor Marcolin em 15/03/2021
Código do texto: T7207865
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