Copenhague Zero Grau - Strøget em dia de sol
Todo mundo aqui deve ter o mesmo medo: voltar pra casa e encontrar o apartamento vazio, a casa cheia de coisas, topar consigo e não ter nada pra se dizer. Medo de ficar sozinho. Então, as pessoas se ajuntam em volta das fontes, tomam cerveja nas mesas da calçada, param pra ver um que outro cantor de tostão. Ou simplesmente desfilam da Praça da Prefeitura, a Rådhuspladsen, até a Kongens Nytorv, outra praça, os dois extremos da grande rua de pedestres, a Strøget, coração de Copenhague.
Mundo alegre e colorido nesta bonita e fresca tarde de julho. Nesse lugar e nesse clima, não dá pra ficar triste, mesmo pensando na hora de voltar para os desolados apartamentos vazios dos velhos prédios do centro. Quem há de ter tristeza se é verão e pode caminhar livremente por aí? Dá gosto andar devagarinho, olhar prédios acima dos anúncios das butiques e vitrinas cá embaixo. O mundo parece que está desfilando por aqui. Olha o africano puxando o carrinho de bebê de olho azul, cadê a mãe? Em que loja, em que porão se enfiou? Aqueles ali são árabes, vão entrar na loja de pornografia. E os indianos? Que nada, são paquistaneses. E aqueles suecos bêbados carregam suas garrafas de Tuborg, de reserva, pra beber no barco, de volta a Malmø. Bebida lá é muito cara, explica uma guia dinamarquesa a um grupo de portugueses espantados.
As pizzarias italianas servem comida do lado de fora, os restaurantes chineses se concentram na Gammel Torv. Há sempre alguém com fome ou alguém que precisa prolongar o passeio da tarde.
- Olha a faca que corta tudo! Olha aqui, minha senhora, esta faca corta até maus pensamentos.
Ritmo de quermesse. O rapaz não para de apregoar as qualidades da faca. Testa-a em frente aos nossos olhos mortais acostumados a objetos mais prosaicos, sem se preocupar com o excesso de emoção de algum menos preparado para tanta excitação.
- Mas não é que a faca corta tudo mesmo!
Do cabo ao corpo de um martelo, prova a milagrosa faca por diversas superfícies, até provar que também se preocupa com a economia familiar.
- Fatias econômicas, vejam que fatias fininhas você pode de cortar com esta faca!
Como se o tamanho do pão não permanecesse o mesmo.
Deixo o multiplicador de pães entregue à sua faca econômica e à admiração escandinava, em troca de mais ver. Aquele ali, por exemplo, dorme seu sono de justo naquele banco, talvez cheio de marijuana ou de cerveja. Ou nada disso, só fechou os olhos para aproveitar melhor este sol fraquinho, que sol aqui é artigo racionado, logo chega o outono, adeus aos dias claros.
Strøget, nome geral das ruas de pedestres de Copenhague, coração do mundo, pelo menos do mundo nórdico. Fontes e repuxos, pombos e fotógrafos, praças e preços. Comércio pros turistas e pra nós, residentes nessa terra, liquidação geral de semestre. Vamos comprar, está mais barato. As vitrinas lindas, manequins olhando a gente, mais vivos que muitos balconistas, Strøget, por que é que você tem que ter um fim? E por que é que a gente tem horário numa tarde bonita como esta, não devia ter pra poder ficar aqui curtindo, fugindo de apartamento vazio, que, às vezes, dá fraqueza e é melhor ficar sozinho com muita gente por perto
(Copenhague 31/07/79)