De quando ouvi sua voz
A sala transfigurara-se na minha mais sincera expressão de felicidade e a sua voz, tão doce, metamorfoseara todos os cômodos de minha casa, tão sua.
A verdade é que desde quando nos conhecíamos suspeitara que, por detrás do menino tão tímido, morava o homem à espera de sua mais sincera transformação. Era preciso tempo, é verdade, mas sabia que, um dia, o veria por inteiro, bem ali, na minha frente.
O tempo passara e, aos poucos, eu o conhecia. A timidez era, na verdade, insegurança e começávamos a brincar com ela, o que sinalizava para o primeiro passo de sua superação. O seu sorriso, tão bonito, era cada vez mais frequente e você seguia roubando-me o ar, enquanto oxigenava a minha vida.
O tempo, senhor tão bonito, só trazia o melhor de você: as risadas tornavam-se mais altas, os sorrisos mais genuínos e os relatos mais sinceros. De repente, conhecia histórias de seus amigos e sabia o nome de cada um dos integrantes da sua família, tão maior do que a minha.
A sua metamorfose ocorrera aos poucos: você passou a me escutar e a me aconselhar e eu, que ainda não encontrara um abrigo pra dividir minhas ansiedades, agora compartilhava os detalhes dos meus medos diários e mais profundos. Você já não era somente meu namorado: você se tornara meu grande amigo. E foi em um descuido que a metamorfose completou-se: você, quase 4 anos depois, esqueceu toda a sua timidez característica e deixou que sua voz tomasse a minha casa.
Há tanto eu lhe pedira para cantar! Desde quando nos conhecemos, sabia da beleza de sua voz. Era preciso somente tempo para que eu o convencesse da sua doçura e afinação.
Súbito, o menino tímido que eu conhecera há 4 anos transformara-se no homem mais seguro que já conhecera e, sem ao menos notar, você cantou a primeira música que dividimos, do cantor que tanto marcou a nossa caminhada.
Aquela voz tão doce carregava consigo a paz que eu tanto buscava e, naquele segundo de mais sincera felicidade, descobri que o amor não era nada do que pensava. Ele é muito mais do que eu fora capaz de sonhar. Ele é colo, abrigo, amizade. É deixar-se levar por um segundo e esquecer o medo que nos aprisiona em nós mesmos.
Era cantar, pela primeira vez, para alguém. Ou, ainda, ser a escolhida para ouvir aquela sincera expressão de liberdade: o menino tão tímido já não existia mais. Talvez amar fosse conhecer e, conhecendo, apaixonar-se.
Depois de se negar, você pegara o meu violão e, ainda desajeitado, fechara os olhos para que a sua voz pudesse invadir o mundo. Lembrei das tantas vezes que o pedi para se expressar, para falar mais, para se abrir comigo. Elas já não existiam mais e, vendo-o ali, na minha frente, desejei que a nossa vida fosse tão bonita quanto a melodia que nos envolvia.
A verdade é que poderia ouvi-lo, para o resto de minha vida.