Sobre gatos

Acredito que, pelo menos, do que vi durante cerca de três décadas (60, 70 e 80), os gatos não viviam dentro de casa, eles apenas apareciam em horários por eles mesmos escolhidos. Pela manhã, por exemplo, quando as mulheres preparavam o almoço, eles acorriam. Morando em uma casa com um extenso quintal, eu avistava caminhando sobre os muros, tanto o gato de casa quanto outros gatos da vizinhança. A mulher amolava a faca numa pedra a esse fim destinada. Eles não apareciam tão somente pelo barulho do arrastar da peixeira sobre a pedra, vinham atraídos pelo cheiro. A dona da casa já amanhecera pegando na marra uma franga no galinheiro. Puxava-lhe o pescoço ou fazia o serviço de outro modelo. O segundo modelo era o mais violento. A mulher se sentava numa parte mais alta do pátio, tipo um batente, colocava a saia entre as pernas e a franga também. Puxava a cabeça da bichinha até que se ouvia o barulho terrível do descangotamento da penosa. Aí se seguia todo um ritual até que a panela estivesse fervendo e espalhando o cheiro pelos quintais, enchendo de água a boca daqueles que o sentiam.

Em outra manhã, a vez era a de um pesado robalo que chegara da feira ainda se debatendo. Lá se ia a dona de casa preparar a peixada. Fiscalizava as guelras e os olhos do pescado. Passava aquela mesma faca bem afiada no abdômen do bonitão, puxava-lhe o fato e o jogava no quintal. Era a festa para os bichanos, que ficavam lambendo os bigodes e comendo mais o que lhes fosse atirado até que ficavam com uma barriga de fazer gosto.

Crianças gostam de dar banho em animais. Pegavam o pobre do papagaio e o metiam num balde de água enquanto o falante se danava sacudindo as asas. Em uma dessas oportunidades, senti vontade de dar banho no gato de casa. Ouvi o grito de minha mãe: Meninaaaaaaaaaaaaaaaaaa, você está doidaaaaaaaaaaaa? Não se dá banho em gatos, eles odeiam água. Ele vai azunhar você. Deixe o gato em paz. É, foi o jeito, mas fiquei sem saber como gatos ficam sujos o tempo todo, a vida toda. A minha mãe explicou que eles tomam banho passando a língua pelo corpo inteiro. Depois, muito tempo depois, li um artigo que discorria sobre como gatos fazem a higiene corporal e o quanto aquela higienização é perfeita, pois a natureza dotou os miaus de uma lixa na língua e uma competência inigualável para limpar-se.

Você já viu uma gata quando dá cria? Não? Pois eu vi algumas vezes. Elas limpam absolutamente cada filhote e todo o local onde nasceram sem deixar o menor resquício do protocolo do parto. Os gatos da minha infância eram lindos e nem sabiam o que era ração e nem veterinário. Quando entendiam de dormir eles se enfiavam em qualquer cantinho ou ficavam numa cadeira fofinha e velhinha. Pareciam estar no paraíso. As fêmeas desapareciam e, de volta dos namoros, vinham pesadas, barrigudas e mais bonitas do que antes. Falta dizer da cantoria dos gatos nos telhados, quando parecia que estavam discutindo com o luar, com os fantasmas ou, melhor ainda, se engalfinhando no cio. Os gatos passavam olhos mal-intencionados no papagaio e em passarinhos engaiolados, cheguei a ver o de casa parado em frente à portinha da gaiola olhando fixamente para um canário que se encolhia num cantinho de sua jaula. A dona da casa, como de sempre, espantava o sujeito com uma vassoura e gritos de espantar gatos mal-acostumados.

Tenho duas gatas, a Zizi e a Zuzu, elas nunca precisaram de veterinários e jamais tomaram banho. Fazem alguns passeios pelos muros, mas não há mais tantos companheiros delas por aqui, pois os tempos mudaram, as casas mudaram, tudo, enfim se transformou... Gatos que vivem em apartamentos são infelizes e nem o sabem. Falar nisto, minha filha caçula, que tem a família em Madri, tem também uma gatinha, a Luna. E, como gatos gostam de liberdade, Luna pulou do 4º. Andar do edifício de apartamentos e quebrou a patinha, ficou internada e agora está recuperada. Vivas aos veterinários.