Copenhague Zero Grau - "V" de Verde ... ou de Vingança
Cada palmo deste país foi conquistado, tudo conhecido. Não há mais um milímetro virgem, um pedacinho em que já não haja ido a mão do Homem. Nada. Tudo bem cuidado, limpo, demarcado. As fazendas, pastos, beiras de estradas, bosques e parques. Já se sabe o potencial de cada metro quadrado de área agrícola, como adubá-lo para produzir esta ou aquela quantidade. E também se sabe - e se respeita - o quanto de descanso que a terra precisa. Não há muito que especular. A margem do inesperado é mínima e não dá pra surpreender ninguém.
Há parques nos centros das cidades. Nos parques, há campos de futebol, lagos, pequenos playgrounds e áreas verdes onde não há nada além de espaço pra descansar e tomar sol. No verão, é claro. No inverno, se patina nos lagos e as crianças, encapotadas e enluvadas, usam as gangorras, os balanços e fazem seus bonecos e bolas de neve. E não se vê muita cerca nem placas de proibido. Tudo muito livre.
Isso nos centros das cidades. Na periferia, os bosques imensos, árvores compridas, simetricamente dispostas, uma quase ausência de arbustos, muita relva. Nos bosques, se passeia no inverno ou no verão, não importa. Cada estação tem seu sabor diferente, a beleza própria. Há animais de inverno, pássaros negros silenciosos, bichinhos ariscos, desconfiados. Há os de verão, veadinhos assanhados, esquilos delicados, pássaros estridentes, insetos, formigas, borboletas...
Não senti falta do verde em Copenhague e região, a não ser no longo inverno passado. Logo quando irrompem os primeiros brotos das tílias, das nogueiras, já se sente o verde. Sensação deliciosa de renascer. O frio se vai, vem a vida de novo. As cidades se colorem, os campos explodem de em volta, todo mundo fica rindo, fica rico, diferente, gentil. Quando volta o verde, fica claro que existe aqui uma harmonia entre o Construído e a Natureza. Resultado de um acordo, de muitos ensaios e erros através dos anos. Bela harmonia de vocal afinadinho.
O Homem, aqui, não é simples construtor de prédios. O progresso aqui não se mede pelo número de arranha-céus da cidade nem pelo tanto de paisagem destruída. O Homem, aqui, não troca casas antigas por lanchonetes de matéria plástica. Aqui não vigora a civilização do cachorro-quente. O Homem, aqui, entendeu que a Natureza tem de ser respeitada e se amigou com ela. Não faz a ela o que não quer que seja feito a si mesmo, lição do sábio Segundo Mandamento. Aprendeu seus limites, teme a Natureza. Sabe que ela é paciente, que~ aceita um sem-número de agressões. Mas já aprendeu, também, na própria carne, que, se ela perder a paciência, a vingança vem. E é terrível, às vezes sem conserto. E já sabe que essa estória de em-plantando-tudo-dá é uma mentira da grossa. Racionalização dos aproveitadores, dos inconsequentes gênios do aqui-e-agora, que babam de desejo ao pensar no lucro imediato. Dos predadores, dos criminosos, praga que deu numa terra linda, quase toda ao sul do Equador.
(Copenhague, 19/07/79)