UMA VELHA A CASA ONDE Fui FELIZ

Em 1950, meu pai, funcionário público, foi transferido de Curitiba para uma novata e progressista Londrina, a Capital brasileira do café, maior riqueza de nosso País daquela época, quando “commodities” era palavra desconhecida.

Eu tinha 3 anos de idade e minhas primeiras lembranças são de uma Londrina efervescente, onde o progresso e a riqueza andavam juntos.

Existem momentos que ficam registrados em nossa memória, sem nenhuma explicação. Uma manhã ensolarada em que nada de especial aconteceu ou um dia de chuva, monótono e sem graça. Claro, existem aqueles outros momentos em que há um fato marcante a ser lembrado para sempre, por tristeza ou alegria.

Também há lembranças holísticas, globais, que representam um período, por exemplo, a infância. É esse período que me remete à Londrina dos tempos dos cafezais, da poeira “roxa”, da fase progressista do Norte do Paraná.

A primeira casa em que moramos, quase uma tapera. O crescimento da Região fazia com que a procura por casas para alugar se tornasse uma verdadeira garimpagem. Foi a única que meu pai encontrou.

Para se ter uma ideia, não havia forro revestindo o teto. Olhava-se para cima e viam-se telhas de barro, vigas e sarrafos. As janelas, desprovidas de vidros; o WC, uma casinha externa. O banho em uma bacia grande de zinco. Conforto zero.

No entanto, para um menino de três anos, aquilo era o paraíso. Havia duas mangueiras, um abacateiro, uma goiabeira, dois mamoeiros, um pé de romã, uma oliveira e bastante espaço para brincar.

Tínhamos um cãozinho de pequeno porte. Seu nome era Bacharel. Minha mãe colocava a comida do Bacharel em uma latinha de goiabada e pedia que eu a levasse para o Bacharel. Não havia dúvidas; no caminho eu ia beliscando a comida do bichinho. Do jeito que a minha mãe acondicionava a comida parece que o sabor aumentava. Arroz coberto com feijão, regado com um pouquinho de caldo. Que delícia! E quando chegava a minha vez eu dizia para minha mãe:

- Mãe, quero comida igual do Bacharel. Ela naturalmente não sabia das minhas beliscadas na comida do cãozinho e não entendia bem o meu pedido, mas o atendia da melhor forma possível.

Eu me divertia muito escalando as mangueiras. Comer fruta tirada do pé é outro sabor. Até hoje, adoro mangas, provavelmente por ser uma lembrança infantil.

Depois de algum tempo, mudamos para uma casa maior e mais confortável, mas as melhores lembranças, não tenho dúvida, são as da velha casa onde fui tão feliz.

Nota: denominava-se “terra roxa” por influência da palavra “vermelho”, em italiano. De fato, a terra era avermelhada.

CLEOMAR GASPAR
Enviado por CLEOMAR GASPAR em 12/03/2021
Reeditado em 15/06/2024
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