A China existe?
Os distintos leitores e leitoras desta coluna sabem que eu adoro botecos. Sou frequentador assíduo, não fico um dia sem passar num desses estabelecimentos para comer uma porção de linguiça, tomar um gole de cachaça, beber uma cervejinha gelada e jogar conversa fora. Nos últimos tempos, o que mais me diverte é justamente jogar conversa fora, pouca coisa se aproveita. A maioria das notícias não presta, tem muita mentira, ignorância e desinformação.
Dia desses, os ânimos se inflamaram quando o Zeca Antônio, um conhecido nosso, depois de devorar uma exorbitância de torresmo e tomar umas, gritou: “a China não existe!”. O bar inteiro se calou; e olha que estava cheio, sexta-feira à noitinha, mesas lotadas, apesar das recomendações das autoridades sanitárias.
O grito do Zeca deve ter despertado os mais camuflados sentimentos dos frequentadores. Parece que o negócio estava entalado na garganta da turma. Foi uma insurreição! A maioria aplaudiu, poucos discordaram. O dono do bar gritou pro pessoal da cozinha: “frita mais linguiça e põe mais cerveja no freezer que a noite promete ser boa, vamos compensar o prejuízo do ano passado!”.
Eu nunca fui a favor das dicotomias, muito menos da alternância de poder, quero mais é ver o circo pegar fogo! Com todo o respeito aos trabalhadores circenses e aos malabaristas de todo tipo, inclusive os da economia e os que trabalham nos sinais das avenidas e outros cruzamentos.
“Por que não existe, Zeca?”, alguém perguntou. “Não existe porque eu nunca vi a China, nunca fui lá. Alguém daqui já esteve lá?” Foi um instante sublime, quase um minuto de silêncio. E ele completou: “Pela televisão não vale, é efeito especial, igual as viagens à Lua!”.
“E os chineses?”, perguntou alguém lá do fundo do boteco. “É tudo mentira, eles são de São Paulo, tem um bairro inteiro deles, tem muito chinês. Eu já fui uma vez comprar coisas importadas”, reagiu o Zeca.
A situação se complicou, a plateia dividida, muitos indecisos, afinal, a maioria ali nunca tinha sequer saído da cidade, muito menos do Brasil, no máximo foram até algum rancho na beira do rio. Cadê os argumentos? Os fatos? Será que ali não tinha ao menos um geógrafo? E se tivesse…
Encrencou de vez quando um bebum esbravejou contra a Covid. Pra quê? Devia ter ficado quieto! Da Covid o assunto descambou para o uso de máscaras — que ninguém usava —, para a vacina, para a política, chegou na quarentena, no isolamento social, nos decretos, na volta às aulas, na proibição de missas e cultos, nas medidas de higiene…
“Vamos fechar, pessoal, saideira!” O dono do bar interrompeu a peleja antes que virasse confusão e quebradeira, afinal, num boteco é possível fechar as portas antes que o pior aconteça. Conclusão? Se a China existe ou não, ninguém falou mais nisso! Melhor aguardar a vacina! Aliás, a vacina existe?