Expectativas
A mesa do bar estava cheia.
O meu copo estava cheio. Havia garrafas por todos os lados.
Eu tinha uma garota sentada no meu colo, fumando um cigarro, com um sorriso embriagado nos lábios. Eu estava sério.
Eu tinha 12 anos a mais do que ela. Isso explicava muito.
Seu nome era Emilly.
Ela me beijou e apertou o corpo contra o meu.
- Estou um pouco tonta. – Ela disse, quase sussurrando ao pé do meu ouvido.
- Você bebe rápido demais.
- Às vezes eu me empolgo mesmo.
- Eu não tenho muita pressa em ficar bêbado. Quando fico em geral, é ladeira à baixo.
Ela riu.
- Nunca te vi realmente bêbado.
- Não costumo ficar assim em público.
- Tem medo do que?
- Medo de dar voz ao que vem de dentro da minha cabeça.
- O que pode ter de tão ruim aí dentro que ninguém pode ver ou ouvir?
- Não necessariamente ruim. Mas eu prefiro as coisas sempre sob controle.
- Isso é muito chato.
- Eu sou chato, não sou?
- Só as vezes.
Emilly se levantou do meu colo encheu e jogou a bituca de cigarro num copo cheio de cerveja quente que alguém havia deixado abandonado.
- Vou no banheiro. – Ela disse, ainda com o sorriso no rosto.
Foi se afastando e eu fiquei olhando enquanto ela se esquivava das pessoas no caminho.
O bar estava bastante cheio, mas não completamente lotado. Então percebi Kelly passando por um canto mais vazio em direção a parte da frente do bar. Ela tinha a maquiagem borrada de quem havia chorado.
Enchi o meu copo de cerveja e fui até ela. A encontrei na porta do bar, acendendo um cigarro.
Ela me olhou, mas não disse nada. Havia uma lágrima escorrendo de um dos seus olhos, que ela rapidamente enxugou com uma mão.
Ofereci o copo de cerveja a ela. Ela bebeu até a metade e me devolveu. Depois abriu um sorriso amarelo.
- Eu estou bem. Não precisa se preocupar. – Falou.
- Certo. Você não precisa falar sobre isso. Estou aqui só pra pegar uma brisa.
Ela soltou um risinho contido e levou o cigarro aos lábios. Ficou me olhando enquanto soltava a fumaça e então falou.
- Às vezes me impressiono com a frequência que eu choro por certas besteiras.
- Acontece com todo mundo, acho.
- Eu queria guardar as minhas lágrimas pra acontecimentos que realmente mereçam elas.
- Tem coisas que estão além do nosso controle, meu bem.
- É verdade.
Tomei um gole da minha cerveja e Kelly se aproximou pra me abraçar.
- E você e Emilly, como estão?
- De alguma forma, estamos acertados em não falar sobre o assunto. Por enquanto está legal. Mas não é nada certo.
- Você queria algo certo?
- Não estou fazendo questão ultimamente. E tenho certeza que ela também não.
- É esse tipo de coisa que eu queria, sabe?
- Como assim?
- Estar com alguém que não esteja se comportando e falando certas coisas só pra me comer, ou que me faça me sentir especial, e depois pule fora...
- É complicado.
- Sim. E o negócio é que no meu caso, eu descobri que a pessoa falava o mesmo tipo de coisas pra várias outras. Todo mundo era especial pra ele... pelo menos até ele ter o que queria. Depois as coisas iam ficando mais difíceis... E não me entenda errado... eu não tenho nada contra poliamor, relacionamento aberto... Mas tenho tudo contra falta de sinceridade.
- Estou um pouco calejado com essa última parte.
- É difícil né?
- Mas a gente vai criando uma casca com o tempo. E aí passa a doer menos.
Kelly olhou pra mim, como se tentasse desvendar alguma coisa, e então finalmente falou.
- Você tem certeza que Emilly está no mesmo barco que você?
- Como assim?
- Tem certeza que ela não tem expectativas?
- Bem... Ela não se comporta como alguém que tenha muitas expectativas... pelo menos não em relação ao que temos...
- Tá. Você que sabe. – Ela respondeu, com um suspiro.
Kelly sorriu e se afastou um pouco.
- Vamos voltar pra dentro? – Propôs, apagando o cigarro na parede.
- Vamos.
Quando nos viramos, pude ver Emilly dançando no meio do bar.
Ela estava descendo até o chão, no meio de um cara e outra menina.
Olhei pra Kelly e nós dois caímos na risada.
Olhei para o relógio. Tinha acabado de passar da meia noite.
Meu copo estava vazio e eu queria mais um gole.
Na verdade, eu precisava de muito mais do que isso, antes de voltar pra casa.