ALMOÇO NA CASA DA MADRINHA
  
           (Da  série: Jogando  conversa  fora)

Eis-me aqui, em compasso de espera até o momento de empunhar a máquina de aparar grama e dar um trato na frente do meu casebre.
Um calor terrível ! Nada que um pratinho bem gelado de amoras ao creme de leite,não dê conta, até porque...Ninguém é de ferro,né ?
Ah ! Só esclarecendo: Amoras colhidas em meu quintal.
Enquanto degusto a preciosidade, pra variar, rendo-me à algumas divagações .
Vêm-me à lembrança...
Almoços de domingo, na casa da madrinha.
O caminho era longo e todo percorrido à pé.
Carro era coisa de gente rica. O máximo que se possuía era uma carroça ou charrete.
Tínhamos a carroça, porém, em casa decidia-se pelas caminhadas “para espairecer”.
Meus pais carregavam alguns embrulhos -“pra ajudar no almoço” – e seguiam em seus trajes de domingo pela estradinha de chão que dava para o Riozinho.
Eu os acompanhava alheio aos assuntos de que falavam.
Depois de um longo percurso, já na metade do caminho, do alto avistava-se a torre da igrejinha e meu pai sempre comentava:
[ Aquilo parecia um mantra ]
-Lá é a igreja de Santo Antonio !
-O Santo casamenteiro, arrematava minha mãe.
À mim, pouco importavam: A torre, a igrejinha retraída entre as araucárias, o Santo, enfim...
Tudo o que me interessava era descer a ladeira enorme em cujas laterais, um fio de água limpinha rolava mansamente sobre o cascalho.
Eu tirava os sapatos e ia-me purificando naquela água fresca, que descia murmurando até um olho d água no final da descida.
Mais um pequeno trecho e era preciso ser quase malabarista para saltar de uma pedra a outra para cruzar a cachoeira que dividia as terras de meus padrinhos com outro terreno.
Aí já estávamos bem próximos e a casa amarela nos sondava por trás do arvoredo.
Na porteira as crianças já estavam à nossa espera e o cheiro dos assados provocava o apetite dos cães pelos terreiros.
Por vezes o aroma das uvas vindo do parreiral, entorpecia.
Um domingo inteiro era pouco para nossas traquinagens no barbaquá onde fazia-se a erva mate, incursões pela mata e mergulhos nas águas da cachoeira.
Refasteladas na varanda, as comadres ruminavam seus tempos de mocidade. Os compadres jogavam cartas ouvindo transmissões de jogos pelo rádio.
Ao fim do dia...O retorno.
Batia uma certa angústia naquelas breves despedidas antevendo o tempo que iria demorar para um novo reencontro.
No caminho de volta, de sapato na mão eu subia a ladeira pelo mesmo fiozinho de água limpa que corria do nada pra lugar nenhum.
Cansado, só então me dava conta das muitas amoras silvestres ao longo do trecho.
Tão sumarentas quanto estas que agora degusto.
Fecho os olhos e recrio o início da ladeira.
Me chega aos ouvidos o murmúrio daquelas águas a banhar-me os pés meninos, aquela voz falando da torre da igrejinha como que a avistasse pela primeira vez.
Um e outro sabiá entranhado na floresta na cantilena de domingo e o cheiro das uvas varando os desvãos da cerca de ripas.
Tudo tão distante naquele ontem que por vezes confunde-se com meu hoje.
Saio do transe e espio a frieza da máquina de aparar grama como a dizer-me:
Vamos ?!
PS. Na foto, o início da ladeira depois de longos anos. O trecho sofreu uma ligeira decadência,mas o fiozinho d´agua e a visão das araucárias à distância, ainda permanecem tanto tempo depois.