De luto...
1. Não faz muito tempo, usando este espaço, escrevi sobre uma galinha d'Angola que encontrei, solitária, perambulando, sempre à boquinha da noite, na minha rua.
2. Contei, que quando a vi pela primeira vez tomei aquele susto. Justifiquei o susto, dizendo: homem do sertão, acostumado com galinhas d'Angola passeando nos terreiros, jamais podia imaginar que encontraria uma delas saracoteando em uma avenida da cidade grande e de grande movimento. Não era passarela para aves matutas.
3. Contei que ela, corajosa, deambulava, ao cair da tarde, nas proximidades da padaria onde eu compro meu pão, a BonJour. Que ela se alimentava dos farelos que fregueses generosos lhe davam com ostensivo carinho. Eu mesmo cheguei a comprar um pão só para ela; e ela devorava-o com um apetite canino.
4. Disse que me apaixonara por ela. E ela por mim. Sentira sua paixão, quando a vi seguindo-me, toda vez que eu deixava a padaria e muitas vezes com as mãos abanando. Esse seu comportamento me comovia.
5. Na crônica, apontei seu poleiro predileto: um dos fios da rede elétrica que ilumina minha rua. Uma equilibrista? Ou um dos galhos da frondosa amendoeira da pracinha que fica em frente à padaria. Chamei a atenção para este detalhe: debaixo da amendoeira, se hospedam e pernoitavam vários moradores de rua.
6. Nos últimos crepúsculos, não encontrei a galinha d'Angola, minha amiga. Estranhei sua ausência; e procurei saber o que lhe havia acontecido.
7. Foi aí que um freguês da BonJour, notando minha aflição, aproximou-se e disse: "Amigo, ela morreu". Perguntei como. E ele: "Mataram-na". E entrou em detalhes: "Foram os moradores de rua, hóspedes da amendoeira, que a mataram, dizendo que estavam com muita fome".
8. Leitor, na verdade, fora o Brasil sem teto, faminto, miserável que se alimentara, comendo a d'Angola, minha amiga.
Olhando para essa dura e malvada realidade, não tive como condenar aqueles infelizes moradores de rua.
Prevaleceu a lei da sobrevivência.
Mas não nego: estou de luto,
1. Não faz muito tempo, usando este espaço, escrevi sobre uma galinha d'Angola que encontrei, solitária, perambulando, sempre à boquinha da noite, na minha rua.
2. Contei, que quando a vi pela primeira vez tomei aquele susto. Justifiquei o susto, dizendo: homem do sertão, acostumado com galinhas d'Angola passeando nos terreiros, jamais podia imaginar que encontraria uma delas saracoteando em uma avenida da cidade grande e de grande movimento. Não era passarela para aves matutas.
3. Contei que ela, corajosa, deambulava, ao cair da tarde, nas proximidades da padaria onde eu compro meu pão, a BonJour. Que ela se alimentava dos farelos que fregueses generosos lhe davam com ostensivo carinho. Eu mesmo cheguei a comprar um pão só para ela; e ela devorava-o com um apetite canino.
4. Disse que me apaixonara por ela. E ela por mim. Sentira sua paixão, quando a vi seguindo-me, toda vez que eu deixava a padaria e muitas vezes com as mãos abanando. Esse seu comportamento me comovia.
5. Na crônica, apontei seu poleiro predileto: um dos fios da rede elétrica que ilumina minha rua. Uma equilibrista? Ou um dos galhos da frondosa amendoeira da pracinha que fica em frente à padaria. Chamei a atenção para este detalhe: debaixo da amendoeira, se hospedam e pernoitavam vários moradores de rua.
6. Nos últimos crepúsculos, não encontrei a galinha d'Angola, minha amiga. Estranhei sua ausência; e procurei saber o que lhe havia acontecido.
7. Foi aí que um freguês da BonJour, notando minha aflição, aproximou-se e disse: "Amigo, ela morreu". Perguntei como. E ele: "Mataram-na". E entrou em detalhes: "Foram os moradores de rua, hóspedes da amendoeira, que a mataram, dizendo que estavam com muita fome".
8. Leitor, na verdade, fora o Brasil sem teto, faminto, miserável que se alimentara, comendo a d'Angola, minha amiga.
Olhando para essa dura e malvada realidade, não tive como condenar aqueles infelizes moradores de rua.
Prevaleceu a lei da sobrevivência.
Mas não nego: estou de luto,