Oração ao tempo
Daqui a aproximadamente um ano eu termino a minha graduação, ainda não está definido se será no primeiro ou segundo semestre, mas seguindo a minha linha de evolução na faculdade, do ano que vem, não passa. Tenho pensado muito nisso nas últimas semanas, não somente eu, como também os amigos que fiz ao longo dessa caminhada, nosso grupo de whatsapp se torna uma confusão quando falamos sobre as disciplinas restantes, horas complementares, créditos, aproveitamento disso e daquilo, estágio onde e como, discussões sobre TCC, e por aí vai.
Não é quando entro, mas quando saio dessas discussões que penso: “não foi ontem que eu entrei na faculdade?” Sim, foi ontem, não foi? Não. Não foi, já se passaram três anos, ainda não sei quando esse texto será publicado, mas dia 12 de março o terceiro ano estará completo, não fosse a pandemia, eu encerraria o ciclo de disciplinas do curso ao final desse ano e colaria grau no início do ano seguinte, provavelmente em março, como vi alguns colegas fazerem no início do ano passado.
Pensar nisso me faz recordar do mito grego sobre a criação do mundo: antes de Zeus, havia Cronos, seu pai, que segundo o mito, devorava seus filhos, na aula em que ouvia fascinado sobre esse mito, a professora olhou para nós, uma turma de calouros e indagou: “E não isso que o tempo, o cronos faz conosco? Nos devora?” Aqueles jovens e inocentes, em sua maioria, recém-saídos do Ensino Médio, não podiam imaginar que daquele momento em diante, o tempo os devoraria. Confesso e aceito minha culpa: e definitivamente não gostaria que o tempo passasse tão depressa, não para curtir todos os momentos dessa jornada que, posteriormente, eu descobri ser completamente louca. Longe disso, o motivo era o menos nobre de todos: o medo.
Tente me entender, eu era jovem, mais jovem do que agora, 3 anos mais jovem do que agora, 3 anos mais imaturo e 3 anos muito mais medroso. Havia passado os últimos 2 anos do ensino médio planejando a minha vida em torno da faculdade. Naquela época, eu sequer cogitava fazer qualquer tipo de terapia, pelo contrário, fugia dela como o diabo - que eu ainda acreditava existir - fugiria da cruz. Sendo assim, para todos os males da minha vida eu colocava como solução o ensino superior.
Do meu ponto de vista adolescente, qualquer tristeza seria superada dentro da faculdade, qualquer medo, qualquer incerteza. A faculdade era o meu american dream, o meu american way of life, a minha belle époque e o meu sonho dourado. Tudo isso para dizer que eu não tinha NADA planejado nada para depois da entrada. Eu não tinha parado para pensar no que fazer depois de entrar, como me manter, como estudar e menos ainda para o que fazer depois de sair. Como eu, tímido para algumas coisas, iria encontrar um emprego? Como iria disputar uma vaga? Como iria sobreviver no mundo? Não, não! Sair dali, daquele confortável espaço onde eu tinha amigos, almoço e jantar por 3 reais, xerox a 0,10 por folha, e uma bolsa que me pagava pela minha contribuição à ciência, definitivamente, não era um local de onde eu queria sair. Como Joey Tribbiani de Friends, eu fiz um acordo com Deus: “deixe que os outros envelheçam, não eu”, ao meu modo: “deixe que o tempo corra para eles, não para mim”.
Não preciso dizer que de nada valeu esse acordo, mas não me dei conta disso imediatamente, pouco a pouco, meio sem querer, meio sem saber como, as coisas mudaram. Veio o primeiro emprego, depois a primeira demissão, depois a recontratação, uma nova demissão, uma segunda recontratação, seguida de um pedido de demissão para alçar um novo voo, em uma nova empresa, com novos planos e metas. Junto a tudo isso, veio a terapia, autocuidado, as minhas verdades, vieram novos amores, novas dores, novos planos, novos sonhos, novas esperanças. Até o momento em que pude me dar conta do tanto que andei e do tanto que ficou para trás.
Na verdade, é inevitável não pensar em como que o Cronos me devorou. Penso novamente naquela aula, agora tenho uma resposta: sim, professora, é isso que o tempo faz, nos devora, nos muda, nos destrói e reconstrói, transforma o que temos e o que somos.
Só falta um ano e eu mal posso esperar para descobrir o que a vida tem reservado para depois disso. Finalmente, tenho meus planos, mas conto com o Cronos. Ele é expert em matéria de devorar e transformar tudo.