Contexto
Eu abri a porta e Glauce ficou parada me olhando diretamente nos olhos. Ela não disse nada e eu deixei que entrasse. Me sentei no sofá, e ela andou até a cozinha sem qualquer cerimônia. Segundos depois, voltou com uma xícara de café fumegando.
- Você quer? – Ela perguntou finalmente, quebrando o silêncio.
- Não acho que isso vá me ajudar com a insônia.
Ela tomou um gole e respondeu.
- Se é pra ficar acordado, pelo menos que seja tomando algo quente.
Balancei a cabeça negativamente e ela se sentou no meio da sala, e se pôs a mexer o café com uma pequena colher.
- Tem certeza que não quer? – Ela perguntou.
- Não, obrigado. Nesse calor eu só queria uma cerveja.
- Você sempre tem cerveja na geladeira.
- Depois que eu tomar um banho talvez eu pegue uma.
Me levantei e olhei para a rua, encostado na janela.
- Você está incomodado com algo? – Ela perguntou, como se soubesse exatamente o que estava passando comigo.
- Não estou conseguindo escrever. Tem semanas que não boto nada no papel.
- E com que frequência você escreve normalmente?
- Quase todos os dias.
- Sério?
- É como se fosse uma necessidade fisiológica.
Glauce riu e tomou um gole do café.
- Mas isso é o de menos... Eu só queria mesmo uma boa noite de sono. – Continuei.
- E por que não dorme?
- Ansiedade.
- Você devia procurar um médico.
- Pra que? Pra ele me entupir de remédios. Não obrigado.
- Há quanto tempo você não dorme?
- Acho que em dois dias eu cochilei umas duas horas.
- Puta merda. Se eu ficar um dia sem dormir eu travo completamente.
- Acho que estou à beira de travar.
Glauce deixou a xícara de lado e se levantou. Começou a se alongar e por fim sorriu e me olhou diretamente.
- Com que frequência você conversa com pessoas imaginárias?
- Não é sempre.
- Você deve estar bem cansado né?
- Estou realmente.
Ela parou de se alongar e abriu um sorriso.
- O diálogo é o coração da prosa, meu amor. Mas não é tudo... Você também precisa de um bom contexto – Ela falou, soltando o sutiã com um gesto rápido. Depois tirou a blusinha, expondo os seios, e andou até o banheiro.
- Como? – Perguntei confuso.
- Você só vai conseguir contexto vivendo alguma coisa... vivendo alguma coisa de verdade. – ela falou, enquanto desaparecia pela porta.
Esfreguei os olhos e andei até lá. Mas dei de cara com o banheiro vazio e com o barulho da goteira que insistia em cair do chuveiro.
Lavei o rosto e encarei meus olhos avermelhados por alguns minutos.
Fui até a cozinha, abri a geladeira e peguei uma lata de cerveja. Tomei um gole e me deitei na cama.
Bebi aos poucos, esperando que o sono viesse para me levar dali, ou que a vida me trouxesse enfim, um pouco de contexto.