A vida, a morte e a teoria da Terra plana
Como já estou mais velho do que jovem, tenho filosofado sobre a morte com mais frequência.
Quando criança, pensava poucas vezes. Só me lembrava dela no dia de enterro de algum parente ou vizinho, e então percebia a gravidade da vida nos rituais da morte: a sala cheia de gente, orações de velório, o cheiro das flores e das velas, homens que se revezavam para segurar as alças do caixão à frente do cortejo. Enterro de pobre não tinha carro, e assim, a despedida era sem pressa, na pequena cidade.
Depois, ainda jovem, pensava na morte como um argumento infalível para justificar minha ânsia de aproveitar o tempo presente com o máximo de prazer e bem-estar. Eu interpretava o “carpe diem” à minha maneira.
Já um pouco mais maduro, passei a pensar na morte como realmente ela é, o fim da vida. Minha evolução filosófica continuou tacanha, pois não conseguia definir a vida. E mesmo tão adulto e forte, não atingi a sabedoria e a coragem de ir à frente de um enterro segurando a alça de um caixão.
Entretanto, hoje, com a idade que tenho... Bom, deixa isso pra lá.
Admiro pessoas organizadas e inteligentes, que pensam em tudo. Que sabem de tudo, definem tudo. E provam tudo o que dizem. Eu não consigo provar nada. Há pessoas que até organizam o próprio enterro, ou lavram em cartório sua última vontade: a cremação e a dispersão das próprias cinzas sobre um jardim em flor! Quanto a mim, se um dia me perguntassem como desejo meu enterro, diria que façam o que for mais fácil e mais barato. Não gosto de dar trabalho em vida, continuarei não gostando depois de morto.
Pensando nisso tudo me pergunto, e se eu fosse um habitante de Lilipute? Sim, aquela região imaginária do romance Viagens de Gulliver, habitada por seres de seis polegadas de altura.
Em Lilipute, é provável que eu quisesse ser enterrado de cabeça para baixo, como as pessoas mais simples de lá. É que lá existe a crença de que a Terra é plana, e, sendo assim, no fim do mundo, quando tudo virar de ponta-cabeça, e houver a ressurreição dos mortos, cada corpo estará em melhor posição para ressuscitar. Agora, pensando bem, e se os liliputianos tivessem razão e a Terra fosse realmente plana?