Por um triz

– A letra não está muito boa. É rascunho... – desculpei-me.

– O senhor pode entregar assim mesmo. Importante é assinar e datar.

– Sim, Sim... – respondi não pouco assustado. E acrescentei entre dentes:

– Nunca pedi cartão, mas insistem...

Aguarde, aguarde, meu leitor, e já, já, vai ficar sabendo o contexto desse diálogo.

A verdade é que durante anos relutei em ter cartão de crédito. Preferia o velho e bom cheque, que, com o passar do tempo, ficou obsoleto em razão, também, do uso inidôneo que faziam dele. Pressionado pelas circunstâncias, aderi ao dinheiro de plástico, com certa resistência, confesso. Nada que me impedisse de ir usando e até mesmo achar tudo muito prático e rápido. Uma maravilha... Até que...

Até que, nesta quietude triste de pandemia, sou chamado ao telefone. Era uma funcionária do banco, que, inicialmente, facultou-me o número do protocolo e me alertava para o uso do meu cartão lá em Santa Catarina, em Balneário Camboriú, se não me engano. Queria que eu confirmasse uma compra de aproximados 3 mil reais e me informava que havia duas tentativas de saque, de importância um pouco menor, dos meus sacrificados e labutados fundos bancários. E que já tinham conhecimento de que estavam fazendo outras tentativas. Puxa! Que desespero!

Ante minha negativa dos gastos, a zelosa funcionária orientou-me que digitasse o número do cartão e a senha e me informou um telefone, para o qual deveria ligar imediatamente, o que fiz, sendo prontamente atendido por outra colaboradora, tão atenciosa quanto a primeira e já conhecedora da situação.

Anotado o novo protocolo, a funcionária, ato contínuo, iria ditar-me um texto. Por sorte, achei uma caneta e postei-me para receber a qualificada instrução. Devo ser justo e destacar que ela e equipe escrevem muito bem. O fato é que fui colocando os pontos e as vírgulas que ela recomendava e, como ensinei o assunto por algum tempo, posso afiançar que, ainda que nervoso, não vi nenhum equívoco e, ainda hoje, não faço senões à carta-denúncia que anotei, com escusas pelos garranchos, em meio à preocupação com meu suado dinheirinho, que poderia, em um simples deslize magnético, virar pó.

Na carta, eu fazia a denúncia do ocorrido e me comprometia a colaborar com as investigações da central de fraudes do banco e com as autoridades policiais, o que (penso agora) certamente me seria um grande incômodo. A solícita funcionária me informava que, dali a alguns minutos, eu receberia em casa um colaborador do banco, que conduziria a missiva, correta e devidamente assinada, e o cartão (certamente!) à delegacia de defraudações. Que eficiência de banco! Que bom que me protegiam! Acrescento que meu anjo da guarda chegaria de moto.

Finda a carta, é solicitada a confirmação de meu endereço, mas tenho um lampejo e interrompo a ligação, sem dar sequência ao assunto. Cadê minha gerente?

Achei-a... Ah! Felizmente... Enquanto eu, pelo celular, aprendia com ela que se tratava de golpe costumeiro, por meu outro telefone a equipe que me salvaguardava ainda tentava ultimar a visita a minha casa, mas fiz sinal que desligassem.

Segundo me ensinaram, a ligação inicial fora travada (na verdade, quando liguei de novo, liguei para as mesmas pessoas e, inadvertidamente pelo nervosismo, eu apenas dava sequência à primeira ligação); de posse da senha, toda a encenação seguinte era apenas para se apropriarem do cartão e fazerem a festa.

Tudo, tudo, muito perfeito! Tinham todos os meus dados, os quais apenas foram confirmados por mim. Usavam bem do jargão bancário e os telefonemas tinham um clima de veracidade, até com música ao fundo. A funcionária (minha preceptora de cartas) apresentou-se com nome completo e matrícula na instituição e sugeriu que os anotasse. Não repito aqui o nome dela, por respeito a prováveis homônimas. Uma bela organização... Das criminosas!