O Casulo
Era tarde, quase dia, humidade e névoa rodeavam-me, os pássaros timidamente começavam a cantar, a chuva que caiu no dia anterior foi estimulante. Passados e futuros longínquos, verídicos apenas em minha mente. Verdades e mentiras que se camuflam entre realidade e abstrato. A inquietação humana é a mesma que liberta e aprisiona, que estimula e contem, que ordena e se cala.
A manhã surge, pessoas saem das suas casas e começam seu dia, mais uma vez, mais um dia, e dia após dia, vez por vez, até o fim dos tempos. Quem sou eu no meio dessa multidão? Qual a minha relevância para essa sociedade mascarada e superficial que vejo pela janela de meu quarto? Já não sei mais essas respostas, logo, não saberei nem as perguntas, pois quem vive no lixo, acostuma-se com ele.
Um dia partirei, e o que restará de mim nesse mundo? Quem terá o trabalho de lembrar-se de um ser humano em meio à multidão. Sou fruto de uma geração que não sabe o que quer, não busca saber e não quer o que sabe. Em meio ao turbilhão de pensamentos e ideais humanos, há seres que divagam sobre as possibilidades inimagináveis de existência. Penso, logo existo?
O pensamento é algo corriqueiro, comum, primordial, banal, é parte do nosso ser maior, e as pessoas definem a vida, a existência, como algo especial e “divina”, totalmente intimista, diferencial. Se todos vivem, todos “pensam”, e se todos pensam, a existência deixa de ser algo especial e passa a ser algo essencial, necessário.
Penso isso enquanto olho para os primeiros raios de sol a bater em minha janela levemente aberta para a entrada do pouco ar puro que resta da cidade. Mais uma noite que é consumida pela manhã, mais uma noite que passo em claro.
Devo ir assumir meu papel na sociedade, juntar-me ao todo, e ser um só. Deixo aqui as últimas palavras de alguém que nasce na noite e morre na noite, e logo de manhã cedo volta para seu casulo habitual, sua casca que o oprime da existência mundana. Que o condena a solidão de uma mente inquietante.
15/09/2017