O HOTEL QUE FALTAVA UM PEDAÇO
O Hotel que faltava um pedaço.
A edificação mais alta de Guarantã era o hotel de três andares (térreo mais dois superiores). Assim que o viajante chegava ao pequeno povoado, o hotel chamava atenção. Não só pela altura, ou pelo fato de ser construído inteiramente em madeira sem pintura. Além dessas características, o mais notável era a falta um pedaço do térreo, como se um gigante tivesse mordido uma das arestas, deixando uma grande falha no prédio. Depois de muito perguntar o que causara esta falha na estrutura do hotel, me informaram que havia sido feito por uma carreta que, após uma briga entre um camioneiro e o dono do hotel, o primeiro entrara correndo no caminhão e arremetou o pesado veículo contra o hotel, com a nítida intenção de derrubar o prédio. O hoteleiro começou a atirar e o camioneiro, para não ser alvejado, desviou e conseguiu arrancar um grande pedaço do hotel, mas não suficiente para derrubá-lo. E sumiu com seu caminhão pela BR-163, nunca mais deu as caras em Guarantã. Esse ocorrido acontecera há três anos. Depois de muito insistir, o dono da churrascaria me segredou o motivo da briga. O dono do hotel possuía uma pequena fazenda distante cerca de cem quilômetros de Guarantã, onde passava longas temporadas, deixando o hotel sob a administração da esposa e filha de quatorze anos. Um dos hóspedes mais freqüentes era um dono de caminhão que transportava materiais de São Paulo a Santarém. Tratado como se fosse de casa, o camioneiro costumava ficar vários dias no hotel antes de prosseguir viagem. Em uma dessas voltas à Guarantã em um final de tarde, o dono do hotel surpreendeu sua esposa e o viajante na cama do casal em plena, digamos assim, conjunção carnal. Aos berros informou que estava buscando seu revolver para matar o amante de sua mulher. Este rapidamente saiu correndo nu, com as roupas na mão, montou na boléia do caminhão, ligou o motor, partindo em disparada em direção ao hotel. Mas os tiros o fizeram mudar o rumo e tirou uma “fina” de metro e meio do hotel. Após vários meses, o hoteleiro perdoou sua esposa e voltaram a viver normalmente. Como lembrança do evento ficara aquela ferida na estrutura do hotel.
Meu pessoal, sob o comando do Julião havia começado a construção das casas e alojamentos no canteiro de obras. Em minhas idas à Guarantã, eu cobrava a conclusão de pelo menos uma casa para iniciarmos os trabalhos efetivamente. Julião sempre informava que faltava alguma coisa, eu via que era verdade. Em uma sexta feira, antes que eu voasse para Cuiabá, Julião prometeu que em dez dias concluiria a casa dos encarregados e os primeiros alojamentos. Voltei a Cuiabá, passei o final de semana em casa, e segunda de manhã, iniciei a viagem semanal por Braço Norte. O motorista me buscou na pista de pouso e fomos para Guarantã. No caminho fui informado que todos os funcionários estavam alojados na obra e a casa e alojamentos haviam sido concluídos no final de semana. E Julião com os operários já estavam morando lá. A informação me surpreendeu. Chegado aocanteiro de obras perguntei ao mestre de obras como eles conseguiram concluir em três dias o que estava programado para dez. Julião fez uma cara de malandro dizendo que achou melhor acabarem logo os trabalhos prometidos. Como eu já o conhecia, falei que ela me contasse o que motivara essa mudança repentina.
O homem do hotel voltara de sua fazenda na madrugada de sexta feira para o sábado e surpreendera um hóspede na cama com sua filha, então com dezenove anos. Foi tiro para tudo que era lado. Meus funcionários acordaram desesperados, pois os tiros perfuravam a madeira. Saíram correndo do hotel e se esconderam em casas de pessoas conhecidas. Perguntei:
“-Julião e a 765 belga que você vive com ela?”, me referindo arma que ele tinha. “-Paulo, sai correndo de pijama, o dono da farmácia me escondeu sob o balcão e só sai após amanhecer. Chamei todos os peões e viemos para a obra. Trabalhamos sábado e domingo até a noite para acabar os serviços. Foi um susto e tanto".